Em Itália o grande risco não é a política mas sim a economia

  • Marta Santos Silva
  • 3 Março 2018

"Era preciso ser mágico para prever" que paisagem política vai sair das eleições deste domingo. Para alguns, com a economia em risco, o "populista" Berlusconi parece melhor do que outras alternativas.

Itália está em tumulto há quase dois anos e não vão ser as eleições deste domingo que lhe vão pôr termo. Quando o primeiro-ministro Matteo Renzi se demitiu, no final de 2016, para ser substituído pelo seu colega de partido Paolo Gentiloni, o Governo de centro-esquerda ficou enfraquecido enquanto esperava pelas eleições.

Chegada a altura, a paisagem política confusa de Itália está num estado inédito de desorganização. Não só o Movimento 5 Estrelas (M5S) fundado pelo comediante Beppe Grillo se tornou na força política mais forte de Itália com quem ninguém quer fazer uma coligação, como uma mudança nas leis eleitorais, que vai ser estreada este domingo, diminui a possibilidade de uma maioria absoluta. As sondagens deixam tudo em aberto, como poderá ler abaixo, com Silvio Berlusconi a fazer um regresso aos palcos políticos italianos que está a ser bem recebido.

Por que é que o líder do partido Forza Italia, que foi primeiro-ministro quatro vezes mas está impedido de se candidatar ao lugar por ter sido condenado a dois anos de prisão por fraude, é considerado uma força positiva nas eleições? O “pai de todos os populismos”, como o ex-primeiro-ministro Mario Monti lhe chamou numa entrevista ao Le Monde, é visto por alguns analistas como uma presença estabilizadora da economia desequilibrada de Itália, uma das maiores economias da Zona Euro e um país cujos choques podem facilmente impactar todos os países da moeda única, e a força da própria moeda.

Berlusconi é visto no centro, com o logótipo da Forza Italia sobre ele, ladeado pela dirigente da Irmãos de Itália, Giorgia Meloni, e por Matteo Salvini, da Liga.EPA/ANGELO CARCONI

Berlusconi está a ser acolhido com “alívio”, escreve o analista Alberto Mingardi, diretor-geral do think tank italiano Instituto Bruno Leoni, no Politico, porque o ex-primeiro-ministro, enquanto líder do Forza Italia (cujo nome surge em grandes letras no logótipo partidário) vai poder controlar os representantes eleitos por este grupo, e os parceiros internacionais “veem-no como uma segurança na eleição”. Isto porque Berlusconi, “que diz que a Itália deve cumprir os objetivos orçamentais e reduzir os impostos mas sem aumentar o défice, parece a escolha de confiança”. Afinal, “a retórica de Berlusconi podia ser exagerada, mas as políticas que pôs em prática nunca o foram”.

No entanto, Berlusconi não tem tido medo de se aproximar da direita mais radical em temas como a imigração. O seu partido, Forza Italia, defende o fim da entrada de imigrantes, e tenciona expulsar 600 mil imigrantes ilegais se chegar ao Governo em coligação. Após um tiroteio em que morreram seis africanos em Itália, alvejados por um extremista de direita, Berlusconi reagiu repetindo a promessa de expulsão de imigrantes e, citado pelo The Guardian, disse que havia uma “bomba social à beira de explodir”.

Os partidos da direita incluem, além da Forza Italia, os radicais da Irmãos de Itália e da Liga, ambos partidos separatistas, um ligado ao norte e outro ao sul do país, com raízes neofascistas e intenções de reduzir drasticamente a imigração. À esquerda, o partido de Matteo Renzi, com Gentiloni como candidato é o Partido Democrático (PD), que tem liderado a recuperação recente da economia italiana mas não consegue, com isso, obter apoio significativo junto dos italianos.

O partido que parece ter mais intenções de voto, porém, é mesmo M5S, fundado por Beppe Grillo e atualmente liderado por Di Maio. As suas propostas são as comuns de um partido populista e contra as regras instituídas: pretende instituir um rendimento mínimo de 780 euros, aumentar o défice, deitar fora “leis inúteis” que incluem as do trabalho e das pensões. Sem se posicionar nem à esquerda nem à direita, o movimento reúne votos de protesto de quem não vê as suas preocupações refletidas pelos partidos no espetro comum da política.

A economia italiana ainda assusta

A falta de popularidade do PD, liderado por Gentiloni, pode ser surpreendente. Afinal, escreve o analista James Newell, da Universidade de Salford e editor da revista Contemporary Italian Politics, no The Guardian, Gentiloni “é o mais popular dos porta-vozes dos principais partidos”, mas como o nada popular Renzi dirige o partido, essa simpatia não se redirige para o PD. O Governo de Gentiloni recebeu parabéns da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) pela recuperação do investimento e da produtividade, e a economia cresce a um ritmo que não se via nesta década, como anunciou esta quinta-feira o ISTAT, o instituto público de estatísticas italiano.

No entanto, como assinala o analista Paul Wallace que escreveu para a Reuters, a economia continua vulnerável. “Os investidores estão a colocar demasiada fé na atual recuperação das empresas”, afirma, criticando o crescimento italiano que, embora tenha sido o melhor desde 2010, ficou muito aquém da média europeia de 2,5%. O desemprego também caiu, mas mantém-se alto, nos 11,8%.

“A Itália não se limitou a perder espaço na última década. A sua performance económica fraca ao longo de um período tão longo deixou dois legados que não são bem-vindos”, acrescenta o economista. Quais são esses legados? A dívida pública, que é de mais de 130%, e o crédito malparado, que está a acumular-se no sistema bancário com o maior volume de qualquer outro país europeu — representa quase um quarto do total na União Europeia.

Isto é especialmente grave já que, na Zona Euro, a Itália continua a ser uma das economias mais fortes, cujos choques podem pôr a moeda única em risco. No Politico, o antigo primeiro-ministro Enrico Letta é citado dizendo que, por causa da sua fraca implementação de reformas e dificuldades, Itália perdeu influência na União Europeia. “A Itália foi vista durante um longo período da crise financeira como ‘o mal comportado’ da Zona Euro que se arriscava a trazer o sistema todo abaixo, e que era grande de mais para salvar, ao contrário da Grécia”, afirmou Letta, acrescentando: “Fomos postos no canto e não conseguíamos que ouvissem as nossas ideias”.

Sondagens deixam tudo em aberto

A lei eleitoral italiana não permite sondagens dentro de 15 dias das eleições, pelo que as últimas sondagens são de há duas semanas. O que indicavam? De acordo com os jornais italianos, nenhuma solução: “Não há maioria possível” era a manchete do La Repubblica, “Sem maioria” era do Corriere della Sera, citados pela Agence France Presse.

A média das sondagens feita pelo instituto italiano YouTrend mostrava que o MS5 estava em primeiro lugar com 27,8%, longe de uma maioria e fora de coligações. Do lado da direita, a Forza Italia juntava 16,8%, a Liga 13,2% e os Irmãos de Itália 4,7% — juntos, com os restantes partidos que participam na coligação de direita, poderiam ter 37,2% dos votos. Do lado da esqueda, o PD junta apenas 22,9% dos votos, 27,4% junto com os seus parceiros de coligação de esquerda.

“Seria preciso um mágico para adivinhar hoje o que vai acontecer daqui a 15 dias”, disse então Antonio Noto, perito em sondagens, à Agence France Presse. “Há dez milhões de eleitores que ainda nem decidiram se vão votar, e se sim, em quem”.

Quais os cenários possíveis? Lorenzo Codogno, analista e economista chefe da LC Macro Advisors Limited, dá como mais prováveis três hipóteses:

  1. Com 30% de chance de acontecer, é a hipótese de um parlamento sem maioria clara, com uma coligação de partidos que inclua os centristas: o PD, o Forza Italia e outros partidos menos radicais.
  2. Com 28% de probabilidade, Lorenzo Codogno coloca a hipótese de uma vitória do centro-direita. Muito aconteceu desde as últimas sondagens e é possível que esses partidos tenham feito força suficiente para merecer os lugares que faltavam.
  3. Com 25% de probabilidade, o cenário em que não há maioria no parlamento e, sem acordo, é necessário realizar novas eleições daqui a seis meses. Espera-se que o pragmatismo impeça que tal aconteça, mas os partidos não podem ser forçados a juntar-se se impuserem condições inaceitáveis uns para os outros.

Então e os mercados? ‘Calma’ deve ser palavra de ordem

A Bloomberg deixou o alerta: os investidores devem ser cuidadosos com as horas que se seguirem ao fim da votação em Itália. Porquê? Há um período de silêncio até às 23h00, e as sondagens à boca das urnas são muitas vezes enganadoras. Os investidores podem deixar-se levar por tendências que depois não se verifiquem.

O diretor da Agenzia Quorum, que gere o YouTrend, disse à Bloomberg: “Se tivesse que tomar uma decisão de investimento com base nas sondagens à boca das urnas, não o faria”. Lorenzo Pregliasco acrescentou: “Os fatores desconhecidos são simplesmente demasiados”.

A distribuição de assentos, refere também Lorenzo Codogno, é muito mais importante do que as percentagens de votos para cada partido, e essa distribuição só é conhecida no dia seguinte, segunda-feira. “Os mercados financeiros vão reagir logo que tenham dados disponíveis”, assinalou. “Vão dar prémios pela estabilidade, por uma maioria consistente”, assinalou, “mas no caso de um parlamento sem maioria, (…) os mercados vão ficar neutros, pelo menos no início, na esperança de que os secretários do partido ou o Presidente encontrem uma solução“. As previsões do economista deixam, porém, uma coisa a que ter atenção: independentemente da reação imediata, a longo prazo “o que importa é o resultado no que toca a uma coligação governativa, o que pode não ser evidente de imediato ao olhar para o número de assentos no parlamento”.

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