Feliz como a Bárbara

Bárbara Reis não deseja que Portugal se transforme economicamente numa Irlanda. Um dos segredos para viver feliz é não ter expectativas demasiado altas. Gostava de ser feliz como a Bárbara.

No dia 23 de Janeiro Bárbara Reis escreveu um artigo no Público sobre um “autocolante” recebido por Whatsapp onde se comparava a situação portuguesa e irlandesa. Tendo sido eu o autor desse autocolante num antigo quadro da Iniciativa Liberal que entretanto ganhou vida própria nas redes sociais, respondi-lhe uns dias depois e a Bárbara Reis gentilmente respondeu de volta. Aproveito a coluna desta semana para voltar a responder.

Bárbara Reis mantém a sua teoria de que a Irlanda tem o sucesso que tem por ser um paraíso fiscal para onde as empresas deslocalizam os lucros sem produzir. Isso será verdade para algumas empresas (daí algumas diferenças entre o PIB e o PNB). Mas empresas que não produzem e que só estacionam lucros têm um efeito irrelevante nos indicadores da economia real como o emprego, os salários ou a despesa pública. E a realidade, como o “autocolante” revela, é que os salários são muito mais elevados na Irlanda e não é só o salário dos advogados que representam empresas fantasmas, é o de todos, incluindo das empregadas de limpeza que ganham na Irlanda mais do que alguns enfermeiros no topo da carreira em Portugal.

A política fiscal da Irlanda atrai empresas a sério com escritórios, fábricas, laboratórios e centros de investigação. Essas empresas trazem outras empresas e todas contratam, atraem e retêm talento, pagam impostos e aumentam o bem-estar. Se isto são as consequências de um paraíso fiscal, que venha o paraíso fiscal.

Bárbara Reis utiliza também um argumento recorrente para explicar o sucesso da Irlanda: falar inglês. É evidente que isso ajuda, mas há aqui um detalhe importante: a Irlanda não começou a falar inglês de um momento para o outro. Já se falava inglês na Irlanda quando o país fazia companhia a Portugal na cauda da Europa. A pertença ao mercado único europeu, outro dos argumentos apontados por Bárbara Reis, também ajuda, mas isso não explica a sua posição relativa dentro da União Europeia em que, por definição, todos pertencem ao mercado único.

O que explica o milagre irlandês é o mesmo que explica o facto de pelo mundo fora territórios inóspitos sem recursos naturais tenham conseguido crescer economicamente. Falo da liberdade económica que permite libertar o melhor recurso económico do mundo: o engenho humano.

Bárbara Reis escreve a certa altura que só 56 empresas pagam o IRC de 31,5%. Eu acredito, apesar de não ter acesso aos mesmos dados. Não é muito difícil de adivinhar, no entanto, e a Bárbara Reis certamente conseguirá esses números da mesma fonte onde obteve o anterior, que essas 56 empresas pagam uma grande parte do IRC em Portugal. Mas o essencial nem é isso. O essencial é que só existem 56 empresas com dimensão para pagar aquela taxa de IRC (+derramas). Quantas mais poderiam existir, criando empregos, fazendo pressão no mercado laboral para aumentos de salários, inovando e investindo se em vez de 31,5% o imposto sobre os lucros fosse mais baixo?

Gostam muito de acusar os liberais de quererem beneficiar as empresas. É uma acusação em parte verdadeira. Mas o liberalismo beneficia muito especialmente um tipo específico de empresas: as que ainda não existem. A liberalização da economia e a atracção de investimento tem essa capacidade: a de trazer empresas que ainda não existem e poderiam mudar-se ou ser criadas, e provavelmente nunca se mudarão nem serão criadas, deixando a economia entregue aos pequenos empresários descapitalizados.

Como jornalista, Bárbara Reis entenderá a importância dos factos. O “autocolante” de que ela fala, mostrava factos. Quaisquer que fossem as variáveis usadas, as mensagens seriam as mesmas. Os impostos em Portugal são maiores do que na Irlanda, Portugal tem menos liberdade económica, os salários são mais baixos, a produtividade também e apesar de partir de um ponto de partida mais baixo, Portugal continua a crescer menos. A Bárbara Reis tem todo o direito de achar que estas diferenças é por se falar inglês ou por roubarem impostos aos outros países. A vantagem dos factos é esta: permite que as pessoas os interpretem como desejam à luz da sua capacidade de raciocínio e forma de pensar. A Bárbara Reis decidiu olhar para aqueles factos e concluir que a Irlanda não está necessariamente melhor do que Portugal porque se olharmos para a taxa de desemprego de Novembro 2020 está 3 décimas acima e no índice de economia verde está 17 lugares abaixo.

Bárbara Reis não deseja que Portugal se transforme economicamente numa Irlanda. Um dos segredos para viver feliz é não ter expectativas demasiado altas. Eu gostava de ser feliz como a Bárbara.

Num texto tão longo Bárbara Reis poderia ter arranjado duas linhas para responder ao desafio que deixei no meu texto anterior, no qual volto a insistir. São inúmeros os casos de países que saíram da cauda da europa através de uma política fiscal agressiva e de liberalização da economia para atração de investimento. A Irlanda é um deles e isso resultou não só na atracção de investimento como num aumento geral de salários e, pasme-se, uma maior despesa pública por habitante do que em Portugal. O desafio que deixei a Bárbara Reis foi que me desse um exemplo contrário, o de um país que tenha estado na cauda da Europa e saído de lá com uma estratégia de impostos altos e estatização da economia.

Espero que haja espaço numa próxima crónica para o escrever. Mas como quero ser feliz como a Bárbara Reis, não irei elevar demasiado as minhas expectativas.

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