Hidrogénio Verde: Uma realidade próxima?

  • Catarina Pita Soares e Francisca Mendes da Costa
  • 27 Outubro 2021

Muitos dos intervenientes no setor consideram que os investimentos privados na produção de hidrogénio verde não são ainda financeiramente sustentáveis sem apoios públicos diretos.

Tem sido defendido, quer pelos governos nacionais, quer pelos intervenientes no setor das renováveis, que a descarbonização da economia passa, necessariamente, por uma forte aposta na produção e no consumo de gases renováveis ou com baixo teor de carbono, entre os quais o mais relevante é o hidrogénio verde.

Há, de facto, um crescente consenso de que a transição energética não pode passar apenas pela eletrificação da economia, porque há consumos e atividades que, pura e simplesmente, não são eletrificáveis. Estão neste caso os consumos domésticos atualmente apoiados no gás natural, alguns setores industriais consumidores intensivos de energia, bem como os setores dos transportes pesados, marítimo e aviação. Esta consciência tem levado a que os governos europeus comecem a apostar em políticas públicas que traduzem uma aposta na produção e incorporação dos gases renováveis, com especial enfoque no hidrogénio verde.

Todavia, apesar de o reconhecimento do elevado potencial deste gás na descarbonização destes consumos ter já sustentado os primeiros passos no investimento em projetos no segmento da produção e na conversão das redes, a verdade é que o momento atual é ainda de expetativa (com otimismo e apreensão à mistura) quanto ao futuro.

Esta foi, justamente, a opinião mais partilhada pelos oradores e participantes da segunda edição do Congresso Mundial de Hidrogénio, que decorreu entre os dias 4 e 6 deste mês na capital holandesa, e no qual a Sérvulo & Associados marcou presença como um dos patrocinadores internacionais.

Em representação da sociedade de advogados esteve presente a sócia do Departamento de Comercial, Societário e M&A, Sofia Carreiro e 3 elementos do Departamento de Direito Público, incluindo Mark Kirkby, sócio do Departamento, que foi um dos oradores convidados para intervir na conferência que teve lugar no dia 5 de outubro acerca do desenvolvimento das estratégias e tecnologias necessárias à criação de uma “economia de hidrogénio verde”.

Ao fim de três dias de congresso, em que mais de 800 especialistas em hidrogénio verde a nível internacional debateram os desafios e as oportunidades potenciadas pela indústria crescente das energias e gases renováveis, tornou-se também evidente que muitos dos intervenientes no setor consideram que os investimentos privados na produção de hidrogénio verde não são ainda financeiramente sustentáveis sem apoios públicos diretos, porque os custos de produção são muito superiores aos das fontes energéticas que se pretendem substituir.

A questão do atual desequilíbrio do Levelized Cost of Green Hidrogen está assim no caminho crítico do desenvolvimento da indústria do hidrogénio. Neste plano, o debate no Congresso deixou evidente que a maturidade tecnológica da indústria tem ainda um importante caminho a fazer, sendo o exemplo mais marcante desta realidade a escassez e o elevado custo de comercialização dos eletrolisadores, que são a peça chave da produção industrial do hidrogénio verde.

A ideia preponderante é ainda assim de otimismo: o processo que se está a assistir com o hidrogénio verde parece semelhante àquele que a indústria assistiu há cerca de uma década com o desenvolvimento do solar renovável.

Se no princípio os investimentos nos projetos solares só eram sustentáveis com apoios públicos diretos e tarifas feed-in, uma década depois um número crescente de promotores atua em regime de mercado, em virtude da descida brutal do CAPEX dos projetos e da escala que o mercado adquiriu.

Para além disso, o custo nivelado do hidrogénio verde depende igualmente do acesso, a custos competitivos, a grandes quantidades de energia elétrica produzida a partir de fontes renováveis necessária para o processo de eletrólise de água. Mas se isto pode ser considerado um desafio à criação de uma “economia de hidrogénio”, é também uma vantagem para países que, como Portugal, têm excelentes condições endógenas, pela elevada irradiação solar e abundante recurso eólico. A este propósito, o Governo revelou recentemente querer “alcançar, pelo menos, 2 GW de energia solar fotovoltaica em funcionamento no Sistema Elétrico Nacional até final de 2022”.

A isto acresce que, apesar de vários países europeus terem já aprovado estratégias nacionais para o hidrogénio que preveem mecanismos de auxílio dos projetos, em linha com as políticas europeias, verifica-se ainda uma hesitação por parte das instituições financeiras no que diz respeito à bankability dos projetos. De facto, a indefinição que subsiste no que diz respeito aos preços dificulta a sustentabilidade económica dos projetos e impossibilita a celebração de contratos de compra e venda a preços fixos com intervenção de offtakers que assegurem, a longo prazo, a aquisição da produção.

O desafio lançado aos players de mercado implica um compromisso sério dos governos com os objetivos ambiciosos traçados nas estratégias nacionais para o hidrogénio, o que passará necessariamente pela aprovação de mecanismos estáveis de financiamento público dos projetos, tal como sucedeu com as renováveis desde os anos 90.
Neste contexto, o Governo Português está claramente ativo e comprometido com a incorporação do hidrogénio verde na economia, desde logo na criação de apoios públicos dirigidos especificamente a apoiar o capex em projetos de produção e de reconversão tecnológica dos consumos.

Destaca-se a forma como o Governo português desenhou o Plano de Recuperação e Resiliência, colocando a produção de hidrogénio verde como uma das prioridades da política energética e industrial do país. Neste quadro, está prevista a afetação de mais de € 2,5 mil milhões de euros do PRR às chamadas “agendas de mobilização da indústria”, em que projetos relacionados com a inovação, transição energética, capacidade de exportação e criação de emprego qualificado estão na vanguarda da elegibilidade. Ora, como é fácil de perceber, os projetos industriais do hidrogénio verde fazem o pleno destes marcadores, pelo que é de antecipar que agarrem uma enorme fatia deste envelope de € 2.5BI.

Outros passos muito firmes foram já dados. Recentemente foram aprovados 13 projetos apoiados com 34 milhões de euros públicos, para investimentos de 62 milhões de euros na produção de hidrogénio e biometano (8.500 T/ano/34 MW ano), a que se seguiu o lançamento de um concurso ao abrigo do PRR para a atribuição de 62 milhões de euros para projetos de produção de hidrogénio verde (até 10 milhões por projeto). Ao primeiro concurso, cujo período de candidaturas se mantém aberto até 31 de dezembro deste ano, sucederão outros dois procedimentos, que deverão decorrer em 2022 e 2023 e que, juntamente com o primeiro, totalizam um financiamento de 285M Euros.

Um outro mecanismo já anunciado pelo Governo Português é o leilão para apoiar o capex dos investimentos dos consumidores industriais, a lançar no primeiro trimestre de 2022, destinado à aquisição de 100.000 toneladas de hidrogénio verde, que será posteriormente disponibilizado aos consumidores ao custo do gás natural. Por fim, é também conhecida a aposta do Governo nos projetos a apresentar ao IPCEI (Important Projects of Common Interest), sendo de destacar os três projetos – da Bondalti, da Fusion Fuel e da 1s1 Energy, – que já mereceram aprovação por parte da Comissão Europeia.

Face a este enquadramento, não restam dúvidas de que os próximos anos e, em particular, a década em que agora entramos, encerram uma oportunidade única para o investimento e crescimento do mercado de hidrogénio verde.

  • Catarina Pita Soares
  • Advogada
  • Francisca Mendes da Costa
  • sócia da Sérvulo & Associados

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