Jodhpur sobre azul
Um mistério que não se deixa decifrar. A "Cidade Azul" nunca chegou a explicar a razão pela qual se decidiu vestir de uma cor que, um dia, foi mais cara que o ouro.
Depois do poético relato Udaipuriano da crónica passada, só me resta passar à prosa da crónica presente, que se passa a um passo mais lento e numa cidade tão quente, onde nem quando o vento corre se sente. Mas urge prefaciar estas maravilhas geográficas com uma apresentação da região em questão: o Rajastão.
Digamos que, se um dia Shiva acordasse mal disposto e decidisse soprar a Índia do planeta, com uma tempestade de açafrão e eu, Mami, feita avatar do Lorde Vishnu, só pudesse salvar um sítio desta carilada e destruição… bom, não é preciso muito mais imaginação.
O Rajastão é, na minha babada opinião, o maior tesouro da Índia. Entre os reis Rajput e os imperadores Mogóis, nasceram cidades saídas das “Mil e Uma Noites” e onde é pecado ficar menos que isso. Se fizerem um “Quantos-Queres” com cores, eis o vosso destino preferido: Branco para Udaipur, Vermelho para Bikaner, Amarelo para Jaisalmer, Rosa para Jaipur, azul para Jodhpur e mais umas vinte pelo arco-íris acima.
Todas têm fortes gigantescos, palácios requintados, lagos imensos, havelis delicados, templos, turbantes, bigodes e marajás. Há umas com camelos e outras com cavalos, numas tigres, noutras elefantes e nas restantes há ratos, macacos, águias e pombos. Já não estamos no simpático Sul e ainda não chegamos ao norte espiritual, o Rajastão é a Índia do antigamente. Sim, com todo o sabor e duas vezes o cheiro!
Mas voltemos a Jodhpur: um mistério que não se deixa decifrar. A “Cidade Azul” nunca chegou a explicar a razão pela qual se decidiu vestir de uma cor que, um dia, foi mais cara que o ouro.
Há quem diga que afasta a mosquitada. Outros, que baixa a temperatura. Os religiosos dizem que é culto a Shiva (não vá acordar mal disposto), os sociólogos dizem que a culpa é dos Brâmanes (que pintavam as casas para se distinguir), os antigos que é tradição. A verdade é que quando a beleza entra em cena, o resto é especulação. E Jodhpur é linda de viver.
Ao contrário da grandiosidade aquática de Udaipur, Jodhpur conseguiu pôr o Rossio na Rua da Betesga e como viu que havia espaço, meteu também o Terreiro do Paço. Só quando subimos à montanha que é o Forte Mehrangarh é que percebemos que também Jodhpur tem um mar.
Um labirinto minotaurico de casas cúbicas com pátios escondidos e terraços bonitos, numa misturada colorida e caótica de milhentas lojinhas de tudo, animado por um turbilhão constante de pessoas, motas e animais. E em cima deste cenário medieval, uma camada de perpétuo pó que dá a tudo um ar pelo menos milenar.
Parece que o grande relógio da torre vermelha enfeitiçou esta aldeia que vive a correr no passado e todos os dias há gente que vem comprar tecidos e especiarias ao mercado, que vai beber chá ao café do telhado, que mergulha no magnífico poço dos mil degraus, sem nenhum cuidado.
Todos os dias, há centenas de anos, Jodhpur gira à volta desta torre coração antigo, com as mesmas rotinas e rituais. E quando Jodhpur roda à volta de um mundo que gira, o tempo anda depressa demais. Um vendedor de mobília, torna-se imediatamente um antiquário e qualquer trapo vira traje, só por estar à vitrina. Eu própria já sinto o véu índigo dos anos, a cair-me em cima.
Sair deste carrossel azul, é única maneira de quebrar o feitiço ou arriscamo-nos a ficar cristalizados nestes arcaicos relicários e sagrados rituais.
Acho que é capaz de já ser tarde demais!
Crónicas indianas são impressões, detalhes e apontamentos de viagem da autora e viajante Mami Pereira. Durante quatro meses, o ECO publica as melhores histórias da viagem à Índia. Pode ir acompanhando todos os passos aqui e aqui.
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