Justiça em tempos de pandemia: estão os grupos de risco a ser acautelados?

  • Carla Fraga
  • 28 Outubro 2020

Vários tribunais encontram-se já a procurar soluções para acolhimento dos cidadãos nestes tempos de espera, mas será suficiente?

Face à pandemia que assola o nosso país desde Março, o Governo tem vindo a implementar medidas que visam permitir o funcionamento dos Tribunais e salvaguardar a saúde dos cidadãos. Visa especialmente proteger os cidadãos que poderão ser especialmente afectados ou sofrer consequências gravosas na sua saúde caso sejam infectados com o vírus SARS-Cov-2.

Por isso, actualmente, as partes, os seus Mandatários ou outros intervenientes processuais que, comprovadamente, sejam maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco, não têm obrigatoriedade de se deslocar a um tribunal para comparecer em audiências de julgamento, outras diligências que importem inquirição de testemunhas e demais diligências que requeiram a presença física das partes, seus Mandatários ou outros intervenientes processuais. Poderão fazê-lo através de meios de comunicação à distância.

Relativamente a esta medida concreta, uma questão que se tem colocado é saber se os seus beneficiários tomam conhecimento efectivo deste direito de não deslocação ao Tribunal e de acompanharem a diligência ou serem inquiridos por meios de comunicação à distância.

E isto porque, apesar dos Tribunais prestarem tais informações nos ofícios de notificação para comparência ou até nos próprios despachos, a lei processual não exige que as testemunhas sejam sempre notificadas para comparecer, permitindo ou impondo que sejam as próprias partes a apresentá-las.

Os Mandatários das partes também não têm obrigação de saber se aquelas integram tais grupos de risco, sendo procedimento comum na advocacia a ausência de contacto com as testemunhas de modo a prevenir o cumprimento do dever deontológico previsto no artigo 109º do respectivo Estatuto.

E nestes casos, não tem o Tribunal qualquer controlo sobre a informação que é prestada a essas testemunhas quanto aos seus direitos.

Quando é solicitada colaboração aos Mandatários para saber se existem intervenientes que integrem grupos de risco, na maioria das vezes a resposta é de desconhecimento, o que se compreende face ao supra exposto. Têm-se verificado, no entanto, situações em que a informação é no sentido de os intervenientes não integrarem tais grupos e, na diligência, se comprovar o oposto, regra geral pela idade superior a 70 anos.

Nesses casos, como pode o tribunal contribuir para a protecção destes cidadãos? E a quem se poderá assacar responsabilidade no caso dos mesmos virem a contrair o vírus SARS-Cov-2 ou, até, outras doenças?

É que é ainda necessário ter em conta que, devido a esta pandemia, numa grande parte dos tribunais os intervenientes têm de aguardar no exterior do edifício devido à ausência de condições dos edifícios e que estamos a caminhar para o inverno, o que implica a forte probabilidade destes cidadãos mais frágeis ficarem expostos a condições climáticas adversas.

Vários tribunais encontram-se já a procurar soluções para acolhimento dos cidadãos nestes tempos de espera, mas será suficiente?

Nota: O autor escreve ao abrigo do antigo acordo ortográfico.

  • Carla Fraga
  • Tesoureira da Associação das Juízas Portuguesas

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