La Casa Sin Papel

Três anos volvidos sobre a resolução, com administrações, relatórios e auditorias anuais, não é crível que Costa e Centeno não tivessem um conhecimento mais aprofundado sobre a real situação do NB.

O caso BES/Novo Banco assemelha-se cada vez mais a uma espécie de peça de teatro, repartida em vários atos, ou, porque estamos em 2020, a uma série com várias temporadas. Neste enredo, os portugueses já perceberam que a parte que lhes cabe é sempre pagar o bilhete (ou a subscrição) de um espetáculo que os obrigaram a ver e pagar. Do mesmo modo que para Thatcher, “o socialismo dura enquanto dura o dinheiro dos outros”, no BES/Novo Banco temos a versão, que as injeções duram enquanto durar a paciência dos portugueses. À medida que a história avança, os portugueses já terão percebido também que alguns dos outros personagens envolvidos conhecem muito bem a história: sabem como, quando e quanto tudo isto vai realmente acontecer e custar.

Spoiler alert 1: a venda do banco, celebrada em 2017 por António Costa e Mário Centeno, vai custar-nos mais de 3.890 milhões de euros, a totalidade da verba posta à disposição. Este valor do Fundo de Resolução ao qual o Novo Banco pode recorrer não passou de uma forma encapotada (um prémio, nas palavras de um ex-ministro das Finanças), ao fundo Lone Star que comprou o banco.

Spoiler alert 2: se não acompanhou os últimos episódios, na entrevista que António Ramalho, concedeu à RTP na última quarta-feira, o presidente do Novo Banco afirmou que irá pedir ainda mais 175 milhões de euros ao Fundo de Resolução ainda este ano.

E pelo caminho, a tão aguardada auditoria externa, entretanto divulgada na semana passada, não nos trouxe ao conhecimento nada de surpreendente. Pelo menos por agora.

“O relatório descreve um conjunto de insuficiências e deficiências graves de controlo interno no período de atividade até 2014 do Banco Espírito Santo no processo de concessão e acompanhamento do crédito, bem como relativamente ao investimento noutros ativos financeiros e imobiliários”

O BES foi alvo de um processo de resolução em 2014 – o primeiro de sempre na Zona Euro – devido à forma danosa como a administração liderada por Ricardo Salgado geriu o banco até então. Coincidência ou não, a auditoria externa revelou que as perdas resultantes do período de atividade até 2014 estão calculadas em 4.042 milhões de euros, valor muito próximo dos 3.890 milhões de garantia pública assegurados por Costa e Centeno aquando da venda do banco.

Até à data em que escrevo este artigo, não há muito mais que possa ser aferido a partir do pouco que nos é dado a conhecer sobre a auditoria.

O mais relevante é, como normalmente, o que não está à vista. É muito importante sinalizar que “esse pouco”, enviado à comunicação social, foi selecionado à la carte pelo Ministério das Finanças. Enquanto os serviços da Assembleia da República preparam o documento para a consulta pelos deputados, assegurando-se a confidencialidade de informações sensíveis, de questões que possam encontrar-se a ser investigadas pela Justiça e do próprio sigilo bancário, o Governo está absolutamente no controlo da narrativa, decidindo o que é do conhecimento público e o que é para abafar e fechar nas gavetas do Terreiro do Paço.

O PS aproveitou a auditoria para ocultar as suas responsabilidades. Do que se sabe até ao momento sobre a venda do banco à Lone Star, que também se encontra abrangida no período auditado (2000-2018), nem uma palavra. Aliás, o Ministério das Finanças, entre a informação que colocou em circulação sobre a auditoria, não selecionou qualquer excerto referente a esse período. Curioso e conveniente.

Na batalha da informação, há uma diferença muito significativa entre o processo de resolução e o processo de venda. As entidades reguladoras falharam? Não restam dúvidas que sim – as auditorias realizadas a outros bancos, assim como esta, revelaram isso mesmo. Recordemos, por exemplo, como o BES adquiriu (alegadamente, claro!) posição na EDP a pedido de José Sócrates, à data primeiro-ministro. Mais de metade dos 4.042 milhões de perdas divulgadas correspondem a operações de crédito, mas quer no crédito quer nos investimentos, a proximidade ao poder político foi sempre grande. Porém, quanto à demais informação prestada pelo BES, os crimes dos quais é acusado Ricardo Salgado e outros membros da sua administração mostram que foram prestadas informações falsas ao longo de anos às entidades de supervisão como o Banco de Portugal e a CMVM.

No momento da venda, três anos volvidos sobre a resolução, com administrações, relatórios e auditorias anuais, não é crível que António Costa e Mário Centeno não tivessem um conhecimento mais aprofundado sobre a real situação do banco e a maior prova está à vista de toda a gente. Os 3.890 milhões de euros foram minuciosamente calculados em função dos ativos e passivos do banco, protegendo a Lone Star de riscos adicionais (o tal prémio). E como até um relógio parado está certo duas vezes por dia, desta vez podemos concordar com o PCP “privatizam-se os lucros, nacionalizam-se os prejuízos”.

A propósito, talvez seja justamente por causa da relação do PS com o PCP, e também com o BE, que ao longo de três anos continuemos a ser progressivamente surpreendidos por mais e mais injeções de capital no Novo Banco. António Costa nunca poderia assumir, perante os seus parceiros da geringonça, a quem negou a devolução do tempo de serviço aos professores, calculada exageradamente pelo próprio Governo em 635 milhões, ou a redução do IVA na eletricidade e gás, estimada em 500 milhões, que iria disponibilizar 6 ou 7 vezes esses valores a um banco.

O primeiro presidente do Novo Banco, Vítor Bento, em maio deste ano, considerou que o contrato da venda do banco foi “ruinoso para o Estado, mas que é ruinoso desde que foi negociado” e acrescentou que “todas as imparidades foram identificadas e registadas no contrato, mas não era conveniente assumi-las todas naquele momento [em 2017]. Escolheu-se distribuí-las ao longo do tempo, para ser politicamente mais fácil de acomodar”. E não estará errado. Se prestarmos a devida atenção às metáforas utilizadas pelo atual presidente da instituição, não só constatamos que tudo está a decorrer como planeado, como podemos deduzir que a garantia pública será esgotada até ao último cêntimo: “o Fundo de Resolução é um tanque de água que só tinha 3.890 milhões para serem utilizados e foi reorganizado todo o processo para que só esse montante fosse utilizado”.

Se não houver atrasos, irá estrear ainda este mês uma nova temporada desta série. Em cena estará a avaliação independente sobre a gestão de carteiras de imobiliário encomendadas a uma consultora internacional.

Uma coisa é certa. O Novo Banco ainda tem até 2026 para poder usufruir da garantia pública através do Fundo de Resolução. Sempre foi claro que esta história não foi escrita para ter um final feliz, mas os portugueses merecem que acabe e que não se volte a repetir.

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