Mais mulheres na política?
É preciso haver mais mulheres na política. Num mundo que promova realmente a igualdade de género, não se limitando, de que forma for, o acesso das mulheres à política, elas vão estar lá naturalmente.
Financiamento público, ausência na comunicação social, legislação eleitoral: quem quiser formar um novo partido em Portugal tem vida complicada. A mais complicada mesmo, segundo Nuno Garoupa, que tem escrito aturadamente sobre o tema. Até parece que as regras para se conseguir chegar à Assembleia da República são pensadas por quem já lá está para proteger o seu lugar! Diria que, fosse o espectro político um mercado, e já a Autoridade da Concorrência teria intervindo, tais são as barreiras à entrada. E, daí, talvez não, que as cativações orçamentais têm-lhe dificultado o exercício da sua actividade (numa estranha forma de assegurar a independência das entidades reguladoras).
Assim, há umas semanas, decidi dar o meu contributo para a redução do poder de mercado do cartel parlamentar e fui acrescentar o meu nome à lista de subscritores da criação de um novo partido. Dei-lhes a minha assinatura para que existam enquanto partido, não o meu voto para que governem, pelo que não estou muito preocupada em conhecer o seu programa político (basta-me que respeitem os princípios democráticos). No entanto, alguns dedos de conversa com a candidata a fundadora, Sofia Afonso Ferreira, e fiquei a saber uma das suas ideias: é preciso haver mais mulheres na política. “Porquê?!”, perguntei-lhe eu.
A minha pergunta pode sugerir discordância com a necessidade identificada pela Sofia Afonso Ferreira, mas vamos lá não proporcionar equívocos. Há cerca de um mês, o governo de Pedro Sánchez foi notícia (também) por ser constituído por mais mulheres que homens. Diz-me a Pordata que a população espanhola é constituída por mais mulheres que homens, portanto deveria ser uma coisa normal. Estatisticamente estranho é que a sociedade portuguesa, também ela maioritariamente feminina, só haja conhecido uma Primeira-Ministra na sua história e tenha uma Assembleia da República em que dois terços dos lugares pertencem aos homens e um governo onde as mulheres são menos de um quarto.
Estatisticamente estranho, mas frequente. O que me leva a suspeitar fortemente de que as mulheres têm o seu acesso à política condicionado. Neste momento, consigo imaginar um coro a dizer-me que existe igualdade de género perante a lei e que nada impede uma mulher de ser ministra, pelo que, se elas não se dedicam à causa pública, é porque não o desejam.
Eu tinha um colega que nunca proibiu os filhos de comer McDonald’s, “apenas” os convenceu de que eles não gostavam daquilo; e eles cresceram sem conhecer o Happy Meal. O machismo moderno vive assim: não ousa dizer às mulheres que elas não podem ser o que quiserem (já percebeu que isso se tornou socialmente inaceitável), mas dita-lhes aquilo a que elas devem aspirar.
O meu feminismo não sai beliscado, julgo, por dizer que homens e mulheres são diferentes, desde logo (de forma menos ou mais óbvia) na fisiologia. Mas muita da distinção é socialmente construída, o que per se não tem problema algum (nós somos produto da biologia, mas também da interacção social), excepto quando aí reside o pseudo-fundamento para as mulheres estarem ausentes de determinados lugares, nomeadamente os de topo. Por isso, como bem escreveu Luís Aguiar-Conraria, “deixem os sexos ser iguais“.
Enquanto não se segue este apelo, um estudo veio responder à minha interpelação. Foi notícia dada recentemente pela SIC que “países com mais mulheres na política têm menos corrupção”. Eu reconheço que, quando vi este título, logo pensei que se estava a fazer a comum confusão entre correlação e causalidade, porque facilmente a participação feminina na política pode ser explicada por factores que também justificam uma menor corrupção. Mas não. Segui o link que a SIC (numa prática saudável) providenciou e constatei que os autores do artigo, Chandan Kumar Jha e Sudipta Sarangi, levaram esta possibilidade em conta, concluindo que, por via dos temas a que se dedicam, as mulheres reduzem o nível de corrupção.
Obviamente, o estudo não está isento de críticas metodológicas, mas é suficientemente sério para que atentemos no resultado a que chega. E o que ele nos diz é que, quando não deixamos que os sexos sejam iguais, a Sofia Afonso Ferreira tem razão: é preciso haver mais mulheres na política. Num mundo que promova realmente a igualdade de género, não se limitando, de que forma for, o acesso das mulheres à política, elas vão estar lá naturalmente, acredito eu. A contribuir para menos corrupção, espero.
Nota: Vera Gouveia Barros escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.
Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.
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