Menos remissões abdicativas, mais litígios

  • Miguel Almeida e Costa
  • 28 Fevereiro 2023

Perspetiva-se um aumento de litígios junto dos tribunais do trabalho, com a morosidade e custos inerentes para os envolvidos, os quais poderiam, de comum acordo pelas partes, ser evitados.

Recentemente, foi noticiada a aprovação da proposta do Bloco de Esquerda de alteração ao Código do Trabalho que retira aos trabalhadores a possibilidade de acordar com o empregador a remissão abdicativa de créditos laborais, salvo se por meio de transação judicial. Ou seja, no momento e após a cessação do contrato de trabalho, os trabalhadores deixam de poder prescindir de créditos laborais de que possam ser titulares, nomeadamente de retribuição por dias de férias não gozadas ou de horas de trabalho suplementar prestado, salvo se, instaurado um processo judicial para o efeito, o juiz homologue essa transação.

Ao contrário do que é anunciado, esta medida não funcionará como garantia de que os trabalhadores receberão tais créditos e não se descortinam as virtualidades que a mesma possa ter.

No contexto das relações laborais, a remissão abdicativa de créditos laborais surge habitualmente no momento da cessação dos contratos de trabalho, em particular quando esta ocorre no âmbito de um processo negocial entre empregador e trabalhador. Nestes casos, é normalmente negociada com o empregador o pagamento de uma compensação pecuniária de natureza global, cujo montante está na livre disponibilidade das partes. A este respeito, destaco que a lei já previa a presunção de que naquela compensação se encontram incluídos todos os créditos laborais vencidos ou exigíveis com a cessação do contrato de trabalho.

No processo negocial, os trabalhadores, legitimamente, negoceiam para si o recebimento de uma compensação adequada, nomeadamente acima dos valores previstos na lei, e os empregadores, com o respetivo pagamento, a garantia de que inexistirão quaisquer reclamações de créditos e litígios futuros, sejam estes devidos ou controvertidos.

Sucede que, ao trabalhador é permitido acordar com o seu empregador na revogação do contrato de trabalho, mas agora vai ficar limitado na definição dos termos em que o pode fazer. Inusitadamente, o trabalhador poderá “o mais” (cessar o contrato), mas não poderá “o menos” (definir quais os montantes a receber e a prescindir, se for o caso). Esta limitação, retirará o incentivo ao empregador para pagar a compensação pretendida pelo trabalhador. Em conclusão, o trabalhador perde capacidade negocial.

Antevê-se, portanto, a estatização das relações laborais, o descontentamento dos trabalhadores e incentivo à manutenção de postos de trabalho ineficientes.

Por outro lado, perspetiva-se um aumento de litígios junto dos tribunais do trabalho, com a morosidade e custos inerentes para os envolvidos, os quais poderiam, de comum acordo pelas partes, ser evitados.

Considerando que, para prevenir eventuais pressões ilegítimas, a lei já consagrava o direito aos trabalhadores de “arrependimento” da decisão de cessar o contrato de trabalho, a exercer no prazo de 7 dias após a assinatura do acordo de revogação do contrato de trabalho, salvo se o mesmo tivesse sido objeto de reconhecimento notarial presencial de assinatura, não vejo motivos para não considerar que, também aí, já se encontrava acautelada a garantia da liberdade da decisão do trabalhador de abdicar de outros direitos laborais de forma livre e consciente.

Em suma, com esta restrição, vislumbro com pessimismo uma maior judicialização das relações laborais, sem que da mesma resulte a garantia de uma maior proteção para os trabalhadores.

  • Miguel Almeida e Costa
  • Associado sénior da CMS

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