Nova lei antidopagem no desporto: algumas novidades
Uma das mais relevantes e controversas alterações respeita, no entanto, ao modelo de responsabilidade do praticante desportivo que vem erigido na nova lei.
No contexto do combate ao doping no desporto, entrou em vigor, no dia 1 de janeiro de 2021, o novo Código Mundial Antidopagem, da Agência Mundial Antidopagem (AMA). As suas regras viram-se agora incorporadas na ordem jurídica nacional por meio da Lei n.º 81/2021, de 30 de novembro, que aprova a nova Lei Antidopagem no Desporto e revoga a anterior Lei n.º 38/2012, de 28 de agosto.
Entre as várias alterações, destaca-se o reconhecimento da categoria de praticante desportivo recreativo, considerado como o atleta não federado participante em competições ou eventos organizados por federações desportivas, o qual passa a estar diretamente incluído no âmbito de aplicação pessoal da lei.
De registar, por outro lado, o acolhimento pela lei de uma nova classe de substâncias proibidas, constituída pelas designadas substâncias de uso recreativo, cuja utilização, em razão de a mesma não se mostrar tipicamente associada à obtenção de vantagens desportivas, passa agora a contar com um regime sancionatório mais leve. Caso o praticante consiga demonstrar que o seu consumo ocorreu em ambiente social, fora do contexto desportivo e sem relação com uma intenção de efetiva melhoria da performance desportiva, e contanto que se trate de uma primeira infração, o atleta poderá vir a ser punido com uma suspensão de apenas três meses, ou mesmo de um mês, caso aceite submeter-se a um processo de reabilitação a prescrever pela ADoP.
Nos campos sancionatório e procedimental, foi ainda objeto de revisão o regime da suspensão preventiva dos praticantes desportivos em caso de violação de normas antidopagem, sendo introduzida uma nova fase de audiência prévia do interessado, em contraponto com o que se verificava no regime pretérito, no qual se concedia oportunidade ao praticante de se pronunciar sobre os factos apenas em momento posterior ao da sua efetiva – e, então, já consumada – suspensão de atividade.
Uma das mais relevantes e controversas alterações respeita, no entanto, ao modelo de responsabilidade do praticante desportivo que vem erigido na nova lei, onde o legislador optou por transpor de forma integral e quase sem adaptações o modelo patente no Código mundial da AMA, instituindo no ordenamento nacional um peculiar regime de responsabilidade objetiva. Estabelece-se no artigo 8.º, n.º 4, com efeito, que “a responsabilidade pela violação de norma antidopagem não depende da prova da intenção, culpa, negligência, ou da utilização consciente de substâncias ou métodos proibidos por parte do praticante desportivo”, portanto, num claro afastamento do princípio da culpa, decorrente do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e aplicável de modo transversal a todos os ramos do direito sancionatório. Uma solução carecida, nesse sentido, de exame urgente em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Procede-se também, no novo diploma, a um alargamento do leque de condutas consideradas como violação de norma antidopagem, sendo tipificados comportamentos como a ameaça, a intimidação ou a tentativa de intimidação de testemunhas ou denunciantes de violações de normas antidopagem, bem como o exercício de represálias contra quem haja fornecido provas ou informações relativas a tais violações.
Finalmente, a Lei n.º 81/2021 inova pela consagração de um mecanismo de “acordo de resolução de processo”, numa lógica em tudo decalcada da ideia de acordo sobre a sentença amiúde em discussão no processo penal. No âmbito destes acordos, a celebrar entre o arguido e a ADoP, o primeiro confessará a violação de uma norma antidopagem, aceitando depois submeter-se a uma determinada moldura sancionatória proposta pela ADoP, numa solução de consensualização na aplicação da justiça que se julga de enaltecer no contexto específico da luta contra a dopagem.
A nova Lei Antidopagem no Desporto entrou em vigor no dia 15 de dezembro de 2021.
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