Novas regras no ordenamento jurídico cambial angolano

  • António Vicente Marques
  • 1 Abril 2020

A tripartição clássica das operações cambiais torna-se, atualmente, mais repleta de particularidades orientadas por uma tendência de liberalização ou, pelo menos, facilitação dos procedimentos.

Entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020, o Banco Nacional de Angola publicou diversos avisos que vieram introduzir alterações significativas àquela que até então era a configuração – por largos anos, estável – do sistema jurídico cambial angolano. A tripartição clássica das operações cambiais (operações de capitais, operações de invisíveis correntes e operações de importação, exportação e reexportação de mercadorias) torna-se, atualmente, mais repleta de particularidades orientadas por uma tendência de liberalização ou, pelo menos, facilitação dos procedimentos tendentes ao licenciamento e tramitação das operações. Analisam-se, de seguida, alguns dos impactos das principais alterações introduzidas no sistema jurídico cambial angolano.

Aviso n.º 15/19, de 30 de dezembro

Era já sabido que as operações cambiais relacionadas com o investimento privado externo mereciam por parte do Banco Nacional de Angola um tratamento específico. Tal tratamento específico, aliás, não se observava apenas a montante (no plano das operações de capitais e ao nível da importação dos recursos necessários à realização das operações de investimento por parte dos investidores estrangeiros), mas também a jusante (repatriamento de dividendos e outras importâncias a que o investidor tivesse direito no âmbito do estatuto próprio que lhe era legalmente reconhecido – este já no âmbito das operações de invisíveis correntes).

Referindo-nos, em particular, à questão do repatriamento de dividendos por parte de investidores privados externos, note-se que o Aviso n.º 13/14, de 24 de dezembro, estabelecia um procedimento bipartido do ponto de vista do licenciamento deste tipo de operações, consoante o montante que o investidor privado externo pretendesse repatriar fosse, ou não, superior ao equivalente a AKZ 500.000.000,00. Ultrapassado este valor, seria necessário obter (sempre via banco comercial) a autorização do Banco Nacional de Angola para proceder à execução da transferência para o exterior.

Ora, a partir do dia 30 de dezembro de 2019, data em que entrou em vigor o Aviso n.º 15/19, de 30 de dezembro (que revoga expressamente o Aviso n.º 13/14, de 24 de Dezembro), esta realidade sofreu alterações. Estabelece o mesmo, no seu artigo 4.º, que a exportação dos rendimentos associados aos investimentos diretos externos não cotados em bolsa ou a valores mobiliários fica isenta de licenciamento (cumpridos que estejam os procedimentos de avaliação da legitimidade das transferências). O âmbito desta nova regra parece-nos bastante abrangente, se tivermos em consideração que a maioria dos investidores privados externos não realiza operações de investimento sobre veículos cotados em bolsa.

Outras particularidades introduzidas pelo Aviso n.º 15/19, de 30 de Dezembro, passam pelas seguintes imposições expressas:

  1. As entidades não residentes cambiais que pretendam realizar investimentos em Angola devem ser titulares de contas bancárias junto de instituições financeiras bancárias sedeadas em Angola, o que não se antevê de fácil realização, tendo em consideração os requisitos aplicáveis à abertura de contas bancárias por não residentes;
  2. Os recursos financeiros afetos à realização do investimento devem ser transferidos para uma subconta criada especificamente para o efeito, sendo utilizados apenas para essa finalidade. Fica, contudo, por esclarecer se a alusão a “subconta” se deverá aferir por referência à conta bancária do investidor privado externo ou à conta bancária da própria sociedade-veículo;
  3. Os pagamentos a residentes cambiais, com exceção da compra de títulos denominados em moeda estrangeira transacionados em mercado regulamentado no país, apenas podem ser executados em moeda nacional. Para o efeito, o investidor que seja não residente cambial deverá vender a moeda estrangeira à instituição financeira bancária que intermediar a operação de investimento. Cremos que esta previsão tem como objecto, inter alia, situações de transmissão de participações sociais por nacionais ou entidades angolanas a favor de um investidor estrangeiro.

Aviso n.º 2/20, de 9 de janeiro

As regras e procedimentos a observar no âmbito da realização de operações de invisíveis correntes encontravam-se plasmadas no Aviso n.º 13/13, de 6 de agosto (à exceção das operações de repatriamento de dividendos, já acima versadas). No mesmo eram consagrados regimes diversos do ponto de vista do licenciamento, os quais se norteavam (i) pelo tratamento específico dado às entidades prestadoras de serviços ao setor petrolífero; (ii) pelos montantes das operações a licenciar; (iii) pela residência cambial dos ordenantes; e, finalmente, (iv) pelo tipo de contrato subjacente à operação.

O Aviso n.º 2/20, de 9 de janeiro, vem revogar expressamente este dispositivo e estabelece, de forma inovadora, um princípio geral de dispensa de licenciamento para operações de invisíveis correntes ordenadas por pessoas coletivas. Sem prejuízo, estas continuam a ter de ser registadas no Sistema Integrado de Operações Cambiais (SINOC) e alvo de avaliação crítica da sua natureza, justificação e legitimidade por parte das instituições financeiras bancárias (podendo estas solicitar a documentação necessária a semelhante avaliação), as quais deverão, ainda, exigir a exibição de um contrato de suporte à operação quando esteja em causa a prestação de um serviço de valor superior a USD 25.000,00, salvo exceções relacionadas com fins educacionais, científicos e culturais.

Aviso n.º 12/19, de 2 de Dezembro

O Aviso n.º 12/19, de 2 de dezembro, veio estabelecer regras e procedimentos para a realização de operações cambiais por pessoas singulares. Esta matéria não dispunha, até à data, de tratamento autónomo, encontrando-se repartida pelos diplomas que regiam as operações de capitais (em particular, o Instrutivo n.º 01/03, de 7 de fevereiro), as operações de invisíveis correntes (em particular, o Aviso n.º 13/13, de 6 de Agosto) e as operações de importação, exportação e reexportação de mercadorias.

Como nota geral, a regra estabelecida pelo Aviso n.º 12/19, de 2 de dezembro é a da isenção de licenciamento. Excetuam-se as operações de capitais, nomeadamente a aquisição de bens imóveis ou ativos imobiliários no estrangeiro por residentes, bem como os financiamentos contratados a instituições financeiras no estrangeiro por residentes, independentemente da sua finalidade, as quais ficam sujeitas ao crivo prévio do Banco Nacional de Angola.

Para os residentes cambiais maiores de idade, é estabelecido um limite anual cumulativo de operações, por pessoa, de USD 120.000,00 – este limite admite exceções que serão autorizadas pelo Banco Nacional de Angola mediante solicitação justificada dos interessados. Fora desta limitação encontram-se, ainda, as operações relacionadas com saúde, educação e alojamento, assim como a transferência de recursos acumulados por estrangeiros não residentes em Angola, quando cessar a sua permanência no país.

Uma nota final para a responsabilidade das instituições financeiras no processamento das operações cambiais: surge agora o dever de as mesmas avaliarem a compatibilidade do valor das operações solicitadas e das operações já realizadas pelos ordenantes no decurso do mesmo ano civil, face à sua capacidade financeira. Aguarda-se, com expectativa, a densificação desta norma e a sua concretização por parte dos bancos comerciais angolanos.

  • António Vicente Marques
  • Sócio fundador da AVM

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