Novo paradigma do ouro: alcançará 4000 dólares este ano?
Tensões geopolíticas e incerteza económica têm puxado pelo ouro, a que se junta a procura estrutural por parte dos bancos centrais, em particular da China, que vai continuar.
O preço spot do ouro atingiu um novo máximo histórico de 3 673 dólares por onça troy, o que corresponde a cerca de 3 131 euros à taxa de câmbio de 1,1730 dólares por euro. Por grama, o preço fixou-se em 118,09 dólares (100,67 euros). Entre outros fatores, esta valorização reflete sobretudo um novo paradigma, algo estrutural que tem reforçado o estatuto do metal precioso como um dos principais ativos de refúgio.
Nas últimas semanas, os dados macroeconómicos dos EUA evidenciaram sinais de abrandamento, sobretudo no mercado de trabalho, pressionando a Reserva Federal a reduzir as taxas de juro na próxima semana. Essa descida torna o ouro mais atrativo, já que diminui o custo de oportunidade de o deter, atendendo a que o metal precioso não gera qualquer rendimento, apenas ganhos de capital. Paralelamente, a crise orçamental em França e o agravamento das tensões no Médio Oriente, em particular o ataque israelita à delegação do Hamas no Qatar, acrescentaram incerteza a um contexto já marcado por riscos elevados.
Ainda assim, boa parte da subida do ouro nos últimos anos é justificada pela invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022 e consequente “congelamento” das reservas russas no estrangeiro, nomeadamente em divisas ocidentais, marcando uma verdadeira mudança de paradigma. Tradicionalmente, a evolução da cotação do ouro tem estado estreitamente ligada às taxas de juro, em particular às taxas reais nos EUA, medidas pelos TIPS (Treasury Inflation-Protected Securities). Sempre que o rendimento real dos TIPS desce, o ouro tende a valorizar, e vice-versa (ver 1.º gráfico). Desde 2022, contudo, esse padrão alterou-se, passando a contar com uma variável determinante: a procura estrutural dos bancos centrais emergentes, em especial da China. Ao contrário das divisas, o ouro não pode ser “congelado” ou confiscado. Por isso, muitos países do Sul Global têm reforçado significativamente as suas reservas. Essa procura cada vez mais estrutural, sobretudo por parte dos bancos centrais de economias emergentes, tem sustentado a escalada do preço, num movimento de diversificação cambial que procura reduzir a dependência do dólar.

A China desempenha hoje um papel central neste mercado. É, simultaneamente, o maior produtor e o maior importador de ouro do mundo, reforçando as suas reservas precisamente para proteger os seus ativos da exposição ao dólar e ao risco de sanções. O gráfico da evolução das reservas chinesas ilustra bem este movimento, com aumentos sucessivos até atingir, no final de agosto, as 74 milhões de onças. A Índia, tal como outros mercados asiáticos, mantém igualmente uma procura elevada de ouro físico, tanto para consumo como para reserva de valor.
A tendência tem sido acompanhada também por investidores privados, que recorrem cada vez mais ao ouro como forma de proteger o património em contextos de instabilidade. Seja pela compra física de barras e moedas, seja através de instrumentos financeiros como os ETFs, a procura tem vindo a aumentar de forma consistente. Um histórico de seis mil anos, desde os primórdios da civilização, como uma das principais reservas de valor, reforça a confiança neste ativo, sobretudo em períodos de inflação elevada, recessões ou crises financeiras.
Olhando para o futuro, a expectativa é que o ouro mantenha uma trajetória de alta, embora com a natural volatilidade de curto prazo após as recentes valorizações. O abrandamento da economia norte-americana, a possibilidade de novas descidas das taxas de juro pela Reserva Federal e a incerteza geopolítica em várias regiões do globo reforçam a atratividade do ouro. A procura estrutural dos bancos centrais, em particular da China, como forma de proteger as suas reservas de potenciais sanções do Ocidente, constitui outro fator de suporte. Assim, poderá a cotação atingir os 4 000 dólares por onça até ao final do ano? Não seria nenhuma surpresa.

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