Editorial

O capitalismo exige gestores com estabilidade emocional

O presidente do Crédito Agrícola contratou a sua mulher para lhe garantir "estabilidade emocional". Não será ilegal, mas é imoral. E faz-nos lembrar que nem tudo está diferente em Portugal.

A mulher do presidente da Caixa Central de Crédito Agrícola, Licínio Pina, recebeu durante anos um “salário” de dois mil euros daquela instituição bancária para dar “estabilidade emocional” ao marido no desempenho de funções. Isto aconteceu mesmo, depois de tudo o que se passou na última década. Afinal, o país mudou menos do que se pensa.

“A minha esposa é há mais de 36 anos o meu fator de equilíbrio e sempre me ajudou. Quando aceitei este desafio, coloquei como condição tê-la ao meu lado.” É assim que Licínio Pina justificou a pagamento de um salário, uma classificação, convenhamos, difícil de aceitar, especialmente para os trabalhadores do banco, porque um salário tem de corresponder a um trabalho. E soube-se porque houve uma denúncia anónima na sequência de um processo de reestruturação laboral que envolveria rescisões de contrato.

Confrontado com os factos, Licínio Pina meteu os pés pelas mãos, disse uma coisa e o seu contrário e isso, na verdade, é ainda pior do que o pecado original. Se mente aqui, qual é a sua idoneidade para gerir as poupanças dos depositantes do Crédito Agrícola? Sobre este banco, mais protegido do escrutínio público, percebe-se agora que é preciso saber mais.

Este episódio poderia retratar um certo Portugal antes da crise e da bancarrota, uma certa inimputabilidade de gestores que usavam as empresas como se fossem o seu parque de diversões, sem responsabilidades com terceiros, desde logo os trabalhadores. Mas aconteceu depois da crise, depois de tudo o que se soube da realidade empresarial e financeira portuguesa. Passou por órgãos de supervisão do próprio banco como se fosse uma coisa normal, aceitável e só terá terminado quando a queixa chegou ao Banco de Portugal. Não será ilegal, até porque Licínio Pina foi reconduzido e aprovado pelo supervisor, mas é absolutamente imoral. Mas, já agora, convinha que o Banco de Portugal desse explicações oficiais sobre o tema. Voltamos à transparência, de supervisor e de supervisionados, que continuam a gerir à socapa, sem informação e prestação de contas.

Há uns dias, o Financial Times publicou um artigo sobre um novo capitalismo. “The year capitalism went cuddly” (“O ano em que o capitalismo se tornou fofinho”). Um novo capitalismo, preocupado, com um propósito que vai além dos lucros, que tem em conta todos os chamados ‘Stakeholders’, a começar pelos próprios trabalhadores. É um caminho inevitável para o capitalismo se salvar de si próprio, mas é também o único caminho que permitirá recuperar uma tendência de aumento de prosperidade geracional ou responder às exigências das alterações climáticas.

Este novo capitalismo também exige outros gestores, que tenham estabilidade emocional e que não precisem de a assegurar com a contratação do cônjuge. E o que se passou no Crédito Agrícola mostra como ainda estamos longe dessa realidade.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

O capitalismo exige gestores com estabilidade emocional

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião