O desconforto de um aumento salarial justo
O aumento do salário mínimo no Estado satisfaz no imediato o grupo de funcionários públicos teoricamente mais desfavorecidos, mas compromete a coesão e o futuro.
Foi confirmada em Conselho de Ministros a subida do salário mínimo para a função pública acima do que foi fixado para o privado. Não consigo compreender esta decisão à luz de uma governação pública nacional, cujas responsabilidades vão muito além dos recursos humanos geridos diretamente pela sua administração.
Seria de todo sensato que o Estado sintonizasse a política remuneratória da função pública com os parceiros sociais. Por uma questão de coesão e solidariedade social, o país deveria andar a uma velocidade e isso só será possível com a convergência das dimensões público e privado, tanto em direitos como em deveres.
A passagem do regime geral de aposentações dos funcionários públicos para o regime geral de segurança social foi um bom sinal nesse sentido e um bom indicador da direção a seguir. Contudo, esta decisão do Governo choca de frente com esta estratégia e abre um novo distanciamento entre o funcionalismo público e o privado, o que não vai contribuir em nada para a coesão social e vai dar mais intensidade aos preconceitos que sabemos existir dos segundos sobre os primeiros.
Estou à vontade para tomar esta posição pública porque, na qualidade de presidente de Câmara, quero o melhor para os funcionários do meu município, procuro criar as condições ideais para o seu bom desempenho profissional e para que a comunidade os reconheça como os bons trabalhadores que são. Ser-me-ia, pois, muito confortável aplaudir esta decisão do Governo, mas a verdade é que o melhor para o país, e esse tem que ser um valor absoluto, não passa por aumentar as distâncias entre os dois setores.
Em pleno epicentro da crise, praticamente todo o país reconheceu que a superação do momento estava em grande parte nas mãos dos privados. Hoje, estamos numa situação mais desafogada, mas não podemos esquecer os elementares ensinamentos que os tempos difíceis nos deixaram. Se o Governo queria, e isso é desejável e legítimo, puxar pelos salários dos trabalhadores, principalmente pelos mais baixos, teria que o fazer num quadro de concertação social convencendo os seus parceiros sociais de que o país e a economia teriam condições para avançar nesse sentido.
Esta decisão satisfaz no imediato o grupo de funcionários públicos teoricamente mais desfavorecidos, porque são os que ganham menos, mas, como qualquer política avulsa e discriminatória, compromete a coesão e o futuro. E com isso, por muito que me custe, não posso estar de acordo.
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