O espaço público em crise
Os partidos espanhóis foram impedidos de partilhar notícias no Whatsapp para "proteger" as eleições de hoje. Mas isso não faz nada pela crescente crise do espaço público.
No mês passado, o Facebook impediu os partidos espanhóis de promover informação política em massa nos grupos do WhatsApp. Ao mesmo tempo que, no Facebook, Mark Zuckerberg diz que não quer tocar no discurso político, no WhatsApp limita-o ativamente – e a razão tem única e exclusivamente a ver com o facto de poder ganhar dinheiro com os anúncios do Facebook e de não o poder fazer na plataforma de mensagens.
Esta é uma decisão política com consequências importantes. Na Índia, no Brasil e nas Filipinas já se viu no que dá utilizar o WhatsApp para disseminar informação: a manipulação e a mentira espalham-se sem controlo, os cidadãos ficam muito mais vulneráveis e a qualidade da decisão política baixa graças às manipulações. E não foi informação oficialmente partidária, foi mesmo discurso de manipulação obviamente criado com objetivos políticos e promovido por bots. Ao mesmo tempo, grupos secretos no Facebook continuam a ser usados para propagandear discursos de ódio e mentiras sobre candidatos, uma prática que se está a estender a todo o espetro partidário.
Há uma tendência clara para a partilha de informação através destas redes fechadas, que são um espaço privilegiado para manipulações. Já se viu isso este ano em notícias de última hora como os ataques armados nos Estados Unidos. Como tudo o que se passa nestas plataformas é opaco para o mundo, é muito difícil proceder à verificação e responsabilização dos atores nocivos, que têm caminho aberto para promover os seus interesses obscuros.
Espanha e Itália lideram a Europa no que toca à utilização do WhatsApp para consumir notícias, tendência essa que se deve alastrar ao resto do continente – e daqui a dois meses há eleições no Reino Unido, para além de termos as eleições americanas à porta. As consequências desta passagem da discussão política para a esfera privada são tremendas.
Pode a sociedade liberal sobreviver à morte da esfera pública? É impossível responder. O que sabemos é que a esfera pública nasceu na democracia, ganhou forma com ela e serviu para influenciar de forma decisiva a sociedade liberal que temos hoje – sabemos também que as nações que não acreditam na democracia esmagam sempre as esferas públicas e que a liberdade implica discussão e reconhecimento do outro enquanto voz ativa de uma troca de argumentos.
Pode ser que consigamos, de alguma forma, criar mecanismos que compensem a crise anunciada da esfera pública. Mas isso não nos deve impedir de continuar a lutar por ela – nem de condenar ativamente os responsáveis diretos pelo seu estado comatoso. Sim, Zuckerberg, estás no topo da lista.
Ler mais: Claire Wardle é mentora da FirstDraft, uma plataforma que estuda a verificação de notícias. Este relatório sobre grupos fechados e plataformas privadas de mensagens acabou de sair e, embora dirigido a jornalistas e redações, serve muito bem para entender a dimensão e a gravidade do problema.
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