
O Estado voltou a falhar no Elevador da Glória
Quando os serviços essenciais funcionam com preços administrados e subsídios, a contrapartida que se exige aos decisores políticos e aos gestores públicos não é opcional.
Os números já conhecidos da tragédia no descarrilamento do Elevador da Glória são chocantes, mas as primeiras reações do presidente da Carris, Pedro de Brito Bogas, são perturbadoras. O presidente da empresa municipal, pública, portanto, e que recebe milhões de euros todos os anos para a sua operação, garante que todas as manutenções terão sido feitas, mas, então, como é que se justifica o que aconteceu?
Não há informação ainda disponível e consistente sobre as razões concretas do acidente trágico, sabe-se que partiu um cabo de segurança e também é evidente que não há, ou falhou, um qualquer sistema de segurança, uma redundância, que permitisse impedir o descarrilamento descontrolado de uma cabine que transporta por ano cerca de três milhões de passageiros, a maioria turistas a descobrir Lisboa. Mas é certo que o presidente da Carris — a empresa que explora o Elevador da Glória — não sabe o que se espera de um gestor público. Não são desculpas, são explicações.
Como o ECO noticiou logo por volta das 22h de ontem, a Carris lançou em abril um concurso para a manutenção do Elevador da Glória que foi cancelado nos últimos dias uma vez que todas as propostas recebidas ficaram acima do preço-base. O mesmo presidente da Carris garante que há uma empresa a fazer a manutenção, mas não se conhece qualquer contrato, cuja publicação é obrigatória, e logo que é adjudicado, refira-se. No mínimo, estranho. E se as manutenções foram seguidas de forma escrupulosa, o que justifica a suspensão da atividade de todos os outros elevadores de Lisboa para avaliar a respetiva situação de segurança?
O impacto desta tragédia é brutal. Na vida daquelas pessoas, muitas delas turistas que escolheram Portugal para passarem as suas férias, que confiaram na nossa segurança, nos nossos serviços, neste contexto. É brutal para a imagem do país que tem vivido tanto à custa do turismo, é brutal, outra vez, para percebermos de uma vez por todas que temos um Estado preso por arames.
O Estado falha demasiadas vezes. Sim, não é a externalização da manutenção para o setor privado que explicará esta tragédia, mesmo que se venha a confirmar responsabilidade da empresa, mas de quem contratou, e em que termos, ou seja, do Estado. E raramente há consequências. Lá volta o caso de Entre-os-Rios e a demissão de Jorge Coelho, ministro que assumiu as suas responsabilidades políticas, caso absolutamente excecional, como sabemos.
Quando os serviços essenciais funcionam com preços administrados e subsídios, a contrapartida que se exige aos decisores políticos e aos gestores públicos não é opcional: serviço, segurança, manutenção e métricas conhecidas. Sem estes indicadores, o contribuinte paga e continua em risco (e este caso, o contribuinte e os turistas que escolheram Portugal). O contribuinte não pode continuar a pagar duas vezes: Em subsídios (à incompetência) e em risco.
Qual é a alternativa? A responsabilização dos decisores, dos que percebem o seu papel e especialmente daqueles que não percebem a sua função, como foi manifestamente o caso do presidente da Carris.
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