O fim da instrução? Solução ou problema?
Quem vive a justiça e o dia-a-dia dos tribunais sabe que os motivos dos atrasos nada têm a ver com a complexidade (ou dimensão) da prova requerida pelos arguidos ou assistentes.
Uma das causas mais profundas e justificadas da atual insatisfação da opinião pública com o funcionamento do sistema de justiça penal é a duração excessiva dos processos. Como parece disparatado terminar com a fase de investigação (o inquérito) a solução mais simples é terminar com a fase de instrução, como se ouve por aí. Há nesta proposta uma pequena nuance: como os comentários se centram nos processos com maior mediatização, a instrução de que se fala é aquela requerida pelos Arguidos. Os argumentos usados para quem defende esta ideia são básicos e simplistas. O primeiro refere que a instrução é uma repetição desnecessária do julgamento e serve apenas, por isso, para perder tempo. Não há, porém, repetição nenhuma, sendo que o juiz de instrução tem já o poder, frequentemente exercido, de limitar a prova requerida, sendo apenas obrigatório (caso requerido) o interrogatório do(s) arguido(s) e um debate instrutório. No que diz respeito ao tempo de duração, não há números globais disponíveis, mas um estudo recente do Gabinete de Apoio aos Magistrados Judiciais que analisou apenas os “megaprocessos” concluiu que em 71% dos processos a instrução não foi além dos seis meses sendo que só em 13% esta fase se prolongou por mais de um ano.
Quem vive a justiça e o dia-a-dia dos tribunais sabe que os motivos dos atrasos nada têm a ver com a complexidade (ou dimensão) da prova requerida pelos arguidos ou assistentes: ocupados com outros processos, alguns com prioridade processual os magistrados não têm, por vezes, possibilidade de analisar os processos mais cedo. É um problema de meios (apoio técnico inexistente ou deficiente, acumulação de serviço e agendas ocupadas) ou gestão de meios, que é proporcional à dimensão dos processos: quanto maiores forem e mais complexas as questões que se colocam, maior dificuldade. É também frequente haver problemas de acumulação de serviço na secretaria que impede maior velocidade na tramitação e até na remessa do processo para julgamento. A organização de apensos de recurso (quando sobem em separado) chega a demorar meses a organizar, com os consequentes atrasos no envio para o tribunal superior. Desconhecendo tudo isto, os tudólogos da simplificação sugerem terminar com esta fase processual. Esta solução tem um outro problema frequentemente ignorado: os dados do Ministério Público (disponíveis apenas de 2022) referem que “a percentagem de confirmação judicial em instrução da decisão de indiciação pelo Ministério Público em inquérito situou-se em 66,7%” (processos do DCIAP) sendo que os números globais são semelhantes (65%). Na fase de instrução findam igualmente processos por acordo (suspensão provisória) numa percentagem de 9,4%.
A fase de instrução procede, por isso, a uma filtragem de processos que, desta forma, não são transferidos para julgamento. A primeira ideia que se retira destes números é que a percentagem de processos que não devem seguir para julgamento ainda é significativa. Caso essa filtragem seja pura e simplesmente eliminada do sistema será feita uma transferência direta para julgamento. Ou seja, processos que terminariam na fase de instrução vão ocupar meios de julgamento, colocando (maior) pressão no tempo de duração dessa fase processual. E quando a eliminação da fase de instrução não tiver os resultados imaginados, qual será a próxima reivindicação? Substituição do julgamento por inquéritos telefónicos de valor acrescentado que legitimem o conhecimento e comentário de quem, mesmo não tendo lido uma folha do processo, tem opiniões tão definitivas e seguras sobre o que se discute?
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