
O futuro da indústria seguradora: Perspetivas a partir do mercado alemão
David Bozzetti, é investigador no Instituto de Ciências Atuariais da Universidade de Leipzig, e descreve os principais desafios sentidos pela indústria seguradora no muito desenvolvido mercado alemão.
A indústria seguradora é moldada por fatores complexos e dinâmicos. Compreender claramente os motores subjacentes é essencial para antecipar a trajetória dos desenvolvimentos futuros. Os desafios políticos e económicos — que incluem tensões comerciais, volatilidade macroeconómica e riscos nas cadeias de abastecimento globais — influenciam cada vez mais as diversas atividades das seguradoras ao longo de toda a cadeia de valor. Paralelamente, fatores sociodemográficos, como as alterações demográficas, obrigam as seguradoras a enfrentar desafios sociais em áreas como os seguros de pensões, de saúde e de cuidados de longa duração.
Além disso, os avanços tecnológicos — incluindo o desenvolvimento inicial da Inteligência Artificial e do Machine Learning na década de 1980 — introduziram simultaneamente novas oportunidades e desafios complexos para o setor. As considerações regulatórias também desempenham um papel crucial, já que as seguradoras têm de navegar por quadros normativos em constante evolução, assegurando o cumprimento das regras e, ao mesmo tempo, promovendo a inovação responsável — incluindo o uso ético da IA e a gestão prudente dos riscos relacionados com a sustentabilidade. Assim, as seguradoras devem atuar num contexto caracterizado por desafios políticos e económicos, mudanças sociodemográficas, avanços tecnológicos e exigências regulatórias.
Seguro de Vida
O modelo de negócio tradicional do seguro de vida baseava-se essencialmente no rendimento obtido a partir de títulos de dívida pública e em taxas de retorno garantidas elevadas. O prolongado ambiente de taxas de juro baixas da última década minou esta base, exigindo uma transição para produtos híbridos e ligados a unidades de investimento (unit-linked). Embora a recente subida das taxas de juro tenha trazido algum alívio, as flutuações contínuas criam desafios para as seguradoras no equilíbrio entre retornos garantidos e ofertas de produtos competitivos.
Outra preocupação estrutural prende-se com a eficiência de custos: comparados com os fundos de índice de baixo custo, os produtos tradicionais são cada vez mais escrutinados devido às despesas relativamente elevadas de distribuição e administração. Embora a comparação direta seja limitada — já que o seguro de vida também oferece mecanismos de mutualização do risco e proteção face à longevidade —, o setor é chamado a demonstrar esses benefícios adicionais de forma mais transparente, de modo a manter a competitividade.
As soluções híbridas e os investimentos alternativos, como os fundos de índice de baixo custo, oferecem flexibilidade e potencial para maiores retornos, mas transferem um maior risco de investimento para os segurados. Isto reforça a necessidade de comunicação clara e literacia financeira. Os modelos de distribuição continuam em debate: sistemas baseados em comissões podem gerar conflitos de interesse, enquanto a consultoria remunerada por honorários pode excluir famílias de menores rendimentos. É essencial encontrar um equilíbrio que assegure a acessibilidade e, ao mesmo tempo, proteja os interesses dos consumidores — fator determinante para a credibilidade do setor.
Seguro de Saúde
O seguro de saúde privado (PKV) na Alemanha enfrenta desafios estruturais persistentes. O aumento das despesas médicas e o envelhecimento da população segurada exercem uma pressão constante sobre os custos, enquanto o número de contratos de seguro integral tem permanecido estagnado. O setor é ainda sujeito a debates políticos recorrentes sobre limites de contribuição e limiares de obrigatoriedade de seguro, o que gera incerteza regulatória.
As inovações médicas, o desenvolvimento das infraestruturas digitais e a questão da portabilidade das reservas de envelhecimento complicam ainda mais o ambiente competitivo. Neste contexto, as seguradoras apostam na digitalização, nos ganhos de eficiência e na diferenciação dos serviços, mas a viabilidade de longo prazo do modelo de seguro integral permanece sob análise crítica.
Seguro de Bens e Acidentes (Property & Casualty)
O seguro automóvel — que representou mais de um terço dos prémios de seguros de bens e acidentes na Alemanha em 2023 — continua a ser uma linha de negócio essencial, mas enfrenta o aumento dos custos de reparação e pressões inflacionistas. Os rácios combinados superiores a 100% durante vários anos evidenciam a necessidade urgente de estratégias de precificação mais rigorosas e de ajustes adequados dos prémios.
No futuro, os veículos conectados e autónomos deverão transformar profundamente os modelos de avaliação e tarifação de risco. As medidas preventivas — como o uso de telemática para recompensar a condução segura, os sistemas avançados de assistência à condução com travagem automática e manutenção de faixa, os dispositivos antirroubo e os programas de manutenção sistemática — desempenharão um papel cada vez mais relevante na mitigação de perdas e na melhoria do desempenho das carteiras.
Em simultâneo, os riscos climáticos crescentes — incluindo granizo, inundações e outros fenómenos meteorológicos extremos — afetam tanto o seguro automóvel como o seguro de propriedade. No setor imobiliário, a cobertura básica contra danos elementares está geralmente incluída nas apólices alemãs, mas a proteção ampliada contra riscos naturais, como chuvas intensas e inundações, é opcional.
Muitos proprietários continuam alheios a esses riscos e não subscrevem a cobertura adicional, apesar da sua disponibilidade. Tal cria um desequilíbrio persistente entre oferta e procura, que pode agravar-se à medida que os danos climáticos elevam os prémios e reduzem a disponibilidade de cobertura. As inundações de 2021 na região de Ahrtal evidenciaram vulnerabilidades estruturais e reacenderam o debate sobre a introdução de um seguro obrigatório contra riscos naturais. Projeções sugerem que os danos climáticos poderão duplicar até 2050, previsão corroborada pela Associação Alemã de Seguradoras (GDV).
As medidas preventivas — incluindo a construção orientada pelo risco, edificações resistentes a tempestades, sistemas de alerta precoce e manutenção sistemática de infraestruturas — são cada vez mais reconhecidas como essenciais. No Institut für Versicherungswissenschaften (Instituto de Ciências Atuariais), onde faço investigação, prossegue a procura por estratégias eficazes de mitigação no seguro de propriedade, com vista à redução da frequência e da gravidade das perdas relacionadas com o clima.
O seguro cibernético está a emergir como uma linha crítica de seguros de bens e acidentes, impulsionada pela crescente dependência de infraestruturas digitais e pelo aumento da frequência de incidentes cibernéticos. As seguradoras enfrentam desafios significativos, incluindo a escalada de sinistros resultantes de ataques de ransomware, interrupções de negócios e violações de dados — fatores que têm levado a aumentos acentuados de prémios e a critérios de subscrição mais rigorosos.
As medidas preventivas — como a implementação obrigatória de protocolos de cibersegurança, formação dos colaboradores, sistemas de deteção de intrusões e avaliações regulares de vulnerabilidade — são fundamentais para mitigar perdas. A investigação do nosso instituto foca-se igualmente na identificação de mecanismos eficazes de redução de risco e de incentivos para que os segurados reforcem a sua resiliência cibernética, reconhecendo que a prevenção é, frequentemente, o instrumento mais eficaz em termos de custo neste panorama de risco em rápida evolução.
Perspetivas e Ajustamentos Estratégicos
O futuro do setor segurador deverá ser moldado por várias tendências emergentes. É provável que evolua para modelos mais centrados no cliente, indo além da compensação tradicional de perdas e aproximando-se de abordagens preventivas e orientadas para o serviço. A digitalização deverá desempenhar um papel crescente, integrando as seguradoras em ecossistemas que facilitem interações contínuas e personalização baseada em dados.
Os riscos climáticos estão a ganhar maior relevância, exigindo estratégias de adaptação e resiliência. A colaboração poderá tornar-se mais importante, especialmente na gestão de riscos sistémicos, como catástrofes naturais e ameaças cibernéticas. As seguradoras terão igualmente de permanecer adaptáveis, capazes de responder a condições económicas voláteis, regulações em mudança e expectativas sociais em evolução.
O progresso nestes domínios implica desafios e compromissos significativos. O desenvolvimento de produtos deve equilibrar flexibilidade com segurança, evitando a transferência excessiva de risco para os consumidores. Os ecossistemas digitais oferecem oportunidades para integrar serviços preventivos e melhorar o envolvimento dos clientes, mas a sua eficácia depende da adesão e da implementação.
Abordar lacunas de proteção contra riscos naturais ou cibernéticos é complexo: regimes obrigatórios podem aumentar a cobertura, mas também torná-la inacessível para alguns, o que reforça a importância das medidas preventivas e das estratégias de adaptação climática. Por fim, as estratégias de talento devem evoluir para preparar a força de trabalho para as mudanças tecnológicas, demográficas e de mercado, valorizando o pensamento crítico em conjunto com a competência técnica.
Conclusão
A indústria seguradora alemã navega num contexto complexo e em constante evolução, moldado por fatores económicos, demográficos, tecnológicos e climáticos. Os ramos de Vida, Saúde e Bens & Acidentes enfrentam desafios estruturais distintos — desde pressões decorrentes de taxas de juro baixas e incerteza regulatória até ao aumento de sinistros provocados por fenómenos meteorológicos extremos e incidentes cibernéticos.
Em todos os ramos, as medidas preventivas — como a monitorização digital, o design construtivo orientado pelo risco e os protocolos de cibersegurança — revelam-se instrumentos cruciais para mitigar perdas e reforçar a resiliência. Olhando para o futuro, as seguradoras terão de equilibrar inovação com prudência, adaptar-se aos riscos emergentes e desenvolver estratégias que protejam simultaneamente os seus clientes e o quadro social em geral.
Artigo publicado originalmente em Seguros & Cidadania, newsletter da APS, com o título The future of the Insurance Industry: Insights from the German market .
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