O maior governo de sempre será igual a mais Estado
Este será um executivo centralizador, ainda que disfarçado de descentralizador, suportado em relações político-partidárias nem sempre recomendáveis, e de tendência burocratizante.
Quando o principal órgão executivo do Estado, o governo central, aumenta em número de membros, ao ponto de se tornar o maior executivo de sempre, está dado o tiro de partida quanto à discussão essencial da orientação política que será seguida durante a legislatura: é de mais Estado, mais despesa pública e, também, de mais impostos que falamos. Ora, o orçamento do novo Governo do Partido Socialista (PS) representará, segundo números que vieram a público na semana passada, uma despesa acrescida de 7 milhões de euros por ano num total de 71 milhões de euros anuais. O orçamento anual do Governo aumentará assim em cerca de 10% nesta nova legislatura. Simbolicamente, o sinal não poderia ser mais claro: é para gastar e há ordem para aumentar o aparato do Estado.
Confrontado com a dimensão do seu novo Governo, o senhor primeiro-ministro desvalorizou a situação afirmando que os governos não se medem pelo número de membros, mas sim pelas prioridades que definem para o país. Porém, para além de o Governo ter mais ministros do que se vê por essa Europa fora, onde a média é de 17 ministros por governo (contra 19 ministros no executivo do PS, num país de reduzida dimensão), há um problema de fundo: não se vislumbram as tais prioridades a que alude o primeiro-ministro.
Começando pelos dois novos ministérios, parecem ambos redundantes face às estruturas que já existem. Em particular, o novo ministério da coesão territorial apresenta evidentes redundâncias face ao do planeamento, bem como alguma sobreposição face ao ministério das infraestruturas e até mesmo face ao do ambiente.
O ministério da coesão territorial evidencia outra particularidade. A estrutura foi supostamente criada para fomentar a descentralização, em especial a valorização do interior alegada pelo primeiro-ministro. Mas, se assim é, não será a criação de um novo ministério, uma entidade que por definição centraliza e tutela, a antítese do que se entende por descentralização? A mim parece-me que sim.
Na verdade, se fosse verdadeiramente para descentralizar, delegavam-se competências locais e extinguiam-se organismos centrais, acabava-se com as tutelas que existem em vez de serem criadas novas tutelas. Por este caminho, a descentralização socialista, em vez de simplificar e tornar mais eficiente a administração pública, apenas acrescentará complexidade ao Estado. Não surpreende. É a política!
Quanto ao ministério da modernização administrativa e da administração pública, que tratando igualmente da descentralização é ele próprio redundante face ao da coesão territorial, parece também contraditório nos termos. Por um lado, entende-se a necessidade de modernizar a administração pública e de gerir os recursos humanos no sector público – sobre isto, ainda ontem foi notícia que o SNS foi declarado incapaz na gestão que faz dos seus recursos humanos. Mas, por outro lado, tratando-se de uma função que deveria perpassar toda a estrutura orgânica do Governo, ela deveria ser desenvolvida no seio de todos os ministérios, em vez de ser especificamente conduzida por um ministério em particular. Funcionalmente parece-me pouco expedito e pouco eficaz.
Questão diferente é aquela que diz respeito ao perfil dos próprios governantes. Neste início de legislatura, 27 dos 70 membros do novo executivo saltam da bancada parlamentar do PS para o governo, iniciando uma rotação muito habitual na Assembleia da República, mas que a desprestigia. É como trocar de jogadores ao apito inicial, fazendo entrar as reservas sem que os outros deem um chuto na bola. Parece-me mal.
Além disso, para o parlamento e para o executivo são necessárias aptidões nem sempre coincidentes. Sobre isto, desagrada-me, sem desprimor dos meus amigos juristas, que um terço dos novos governantes sejam formados em direito. Como diz o ditado em Inglês, “never ask a barber if you need a haircut”. Mas com tantos juristas no Governo, outra coisa não será de esperar senão a burocratização administrativa da acção governamental.
A administração pública, enquanto área de actividade prevista no Orçamento do Estado, representa uma despesa pública de 30 mil milhões de euros, ou seja, cerca de um terço do total da despesa pública em Portugal. É uma área que reage aos sinais e aos incentivos desencadeados pelas hierarquias tutelares, no topo das quais está o poder executivo do governo central.
Ora, o sinal dado pelo governo PS é claro: há que ser grande e há que ser forte (no sentido depreciativo do termo). Por isso, continuaremos a ter uma administração pública muito preocupada com as hierarquias e também com a ocupação política dos cargos. Na verdade, continuaremos com a política metida na administração pública. Com isto sofrerão os cidadãos e todos aqueles que, trabalhando no Estado e ambicionando carreiras estimulantes, com potencial de progressão e de valorização, permanecerão profissionalmente estagnados.
O novo Governo não engana. Este será um executivo centralizador, ainda que disfarçado de descentralizador, suportado em relações político-partidárias nem sempre recomendáveis, e de tendência burocratizante. O Estado será uma coutada de alguns e permanecerá alheado dos problemas do dia-a-dia dos cidadãos, longe das funções que os cidadãos valorizam nas instituições públicas.
Numa altura em que o abrandamento económico já chegou a Portugal – é ver a síntese de conjuntura económica divulgada pelo INE há dias –, a economia nacional beneficiaria de um executivo mais ágil e mais eficiente para que, como o primeiro-ministro terá dito há dias, “amigo não empatasse amigo”. O problema é que aqui não há amigos. Há os camaradas e, depois, num plano inferior, há todos os outros. Não deveria ser assim.
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