O meu Tsavari

"Não. Não estou a ver as três chitas a acasalar atrás da moita. Também não vi o hipopótamo debaixo de água. Se trouxe binóculos? Oh amigo, a esta distância só de telescópio!"

O guia encolhe os ombros. Há 20 anos que mostra animais à malta. “Os elefantes do Tsavo são vermelhos porque se esfregam nesta lama cor de tijolo para se protegerem do Sol. Mas por baixo são iguais aos outros e têm orelhas grandes.” Não pareço lá muito impressionada, ao que ele acrescenta com um sorrisinho malicioso: “O cocó das hienas também é branco”. Nunca um também foi tão mau. Isto nem na Rua Sésamo.

Afinal um safari não é para ver os animaizinhos. É para ver os Big Five, os Small Five, os Ugly Five, os Five que nunca aparecem e os five que não querem aparecer.

Quando duas pessoas que fizeram um safari se encontram aqui em África, elas não conversam, elas gabam-se feitas crianças mentirosas. “Eu vi quatro leopardos a comer um búfalo, uma girafa a dar à luz e uma orgia de bambis e tu?”

“Então, eu cá vi dois braquiossauros a cantar e o Dumbo a voar.”

Agora a sério. Lembram-se da história do tupperware da semana passada? O melhor do safari, para mim, não foi ver as manadas a pastar, os leões a bocejar, um Pumba a ressonar, os dik dik a namorar ou os elefantes a rebolar. O melhor é o cenário. Uma paisagem que não nos deixa fechar a boca. Uma vastidão de outro planeta. Uma planície infinita de cantos arredondados onde se vê a história da criação, só que sem a cantoria do Rei Leão.

Fazer um safari vale a pena, os dólares e os xelins. Aliás, curiosamente, quanto mais se gastar mais a pena vale. Sobretudo se meter avioneta, balão de ar quente, duche com masais e outras coisas que tais.

O meu telemóvel, à laia de grafonola, toca-me a banda sonora do África Minha. O clarinete de Mozart amacia o capim espigado e é laranja como este sol que podia ser nota de música. Uma lagrimazinha de beleza faz caminho pela minha cara vermelha como a poeira destes elefantes. Não, não são dois elegantes Orix a lutar, nem duas zebras a acasalar que me emocionam o olhar, é a vista desta piscina espetacular. O habitat perfeito para eu ficar a pastar. Afinal o meu Five preferido não é animal, é estrela de hotel.

Oh, as hienas podem esperar. Hoje quem se ri sou eu!

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Crónicas africanas são impressões, detalhes e apontamentos de viagem da autora e viajante Mami Pereira. Durante quatro meses, o ECO vai publicar as melhores histórias da viagem, que pode ir acompanhando também aqui e aqui.

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