
O silêncio sísmico de Portugal
António Rito Batalha sentiu hesitação do ministro das Finanças Miranda Sarmento em avançar com o Fundo Sísmico e notou que França deu um passo em frente apesar de ter dívida pública mais pesada.
No final de 2024, a ASF — Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões — apresentou ao Governo português a proposta de criação de um fundo sísmico nacional, destinado a reforçar a resiliência do mercado segurador e da economia perante um eventual grande sismo. Nove meses depois, a proposta permanece sem decisão por parte dos responsáveis políticos.
Esta semana porém, na recente tomada de posse do novo presidente da ASF – Gabriel Bernardino – o ministro das Finanças afirmou que a cobertura de fenómenos sísmicos “merece ser analisada com atenção”, sublinhando que “será necessário ponderar de forma equilibrada a proteção das famílias, a estabilidade do setor segurador e a solidez das finanças públicas.”
Entretanto, França — cuja dívida pública ascendia a cerca de 114% do PIB no final do primeiro trimestre de 2025, bem acima dos 96,4% registados por Portugal no mesmo período (dados Eurostat/GEE) — decidiu ainda assim avançar com um novo fundo de resseguro para sinistros1 causados por tumultos (além de um sistema público-privado para a gestão de catástrofes naturais, que garante a sua cobertura ilimitada). Esta decisão foi tomada num contexto em que já se antecipava uma possível revisão em baixa do rating francês, que a Fitch Ratings2 viria a concretizar pouco depois ao descer a notação de “AA-” para “A+”, ainda assim acima da classificação de Portugal, recentemente revista em alta de “A-” para “A”.
Segundo noticiou o jornal Atlas Magazine, o modelo francês para o fundo contra tumultos prevê que os prejuízos sejam repartidos entre seguradoras e o fundo público de resseguro com base no rácio de sinistralidade (Loss Ratio), conforme segue:
- Para L/R inferiores a 90%: 20% dos prejuízos seriam suportados pelo fundo e 80% pelas seguradoras;
- Para L/R entre 90% e 180%: 80% dos prejuízos seriam assumidos pelo fundo e 20% pelas seguradoras.
Esta lógica pretende evitar a concentração de perdas no setor segurador em eventos de frequência baixa mas grande severidade, partilhando o risco com um mecanismo mutualista de resseguro público.
Em Portugal, não existe atualmente qualquer instrumento de partilha pública de risco para o risco sísmico. As seguradoras transferem os riscos que assumem para o mercado de resseguro privado internacional, mas como o seguro contra sismos não é obrigatório, a maioria da população permanece sem proteção. Tal deixa grande parte da sociedade exposta a perdas massivas, o que pode comprometer gravemente a capacidade de recuperação do país após o grande sismo3.
A criação de um fundo sísmico nacional4 permitiria alinhar Portugal com as melhores práticas internacionais na cobertura de riscos catastróficos aos quais o país está especialmente exposto, funcionando como uma proteção da sociedade e da própria economia. As seguradoras manteriam as suas proteções privadas de resseguro para a carteira que já possuem, mas o fundo proporcionaria uma camada adicional de resiliência coletiva para toda a economia.
Se França, com uma dívida mais pesada (ainda que por agora com um rating algo superior), decidiu reforçar os seus mecanismos públicos de resseguro, Portugal — com contas públicas mais equilibradas e um risco sísmico muito mais elevado — teria argumentos financeiros e prudenciais para agir preventivamente, em lugar de esperar pelo próximo grande sismo, que os geólogos garantem voltará a ocorrer.
1 Um novo fundo contra tumultos em França
2 Fitch corta rating de França
3 Geólogo (João Duarte) garante novo grande sismo voltará a ocorrer
4 Fundo Sísmico proposto pela ASF
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