O tempo da justiça e a greve anunciada

  • Carla Góis Coelho
  • 29 Agosto 2022

Esta greve ditará o adiamento de várias diligências e implicará uma delonga acrescida na tramitação dos processos, o que não é de somenos relevância.

O pré-aviso de greve emitido pelos sindicatos dos funcionários judiciais e dos oficiais de justiça não é um bom prenúncio para a retoma do ano judicial pós-férias.

Esta greve ditará o adiamento de várias diligências e implicará uma delonga acrescida na tramitação dos processos, o que não é de somenos relevância.

Nos meus mais de dez anos de experiência, tenho constatado que a qualidade técnica e a dedicação e comprometimento dos agentes da justiça (juízes, funcionários judiciais / oficiais de justiça, advogados) é, via de regra, muito positiva. Tem sido também marcante a evolução tecnológica que tem possibilitado uma tramitação mais eficiente e célere dos processos. A criação do Citius e do Sitaf foi, a esse nível, disruptiva. Hoje é, inclusivamente, possível, em julgamento, confrontar os presentes com a projeção de documentos constantes do processo, o que torna os depoimentos das testemunhas muito mais céleres e consistentes.

A revisão do Código de Processo Civil em 2013, prevendo que o juiz tem o poder-dever de gerir o processo com vista ao seu andamento célere, promoveu também a cultura de colaboração e corresponsabilização de juiz, partes e advogados no alcance de um processo e um resultado mais eficiente e justo. Com esta alteração e, mais tarde, a legislação introduzida no contexto pandémico, a realização de diligências à distância – incluindo de diligências de produção de prova – tornou-se uma realidade mesmo para os juízes e advogados mais reticentes ou menos familiarizados com as tecnologias de comunicação.

Todos os advogados de contencioso sabem o quão difícil é fazer os clientes – sobretudo os clientes estrangeiros – compreenderem o tempo da justiça portuguesa. Mas devo dizer que é com indisfarçável orgulho que constato a admiração de clientes estrangeiros (alemães e franceses, por exemplo) quando percebem, por exemplo, que o nosso processo judicial está integralmente digitalizado e acessível às partes e (via de regra) a terceiros representados por advogado ou que mostram interesse legítimo para o efeito, que as sessões de julgamento são (via de regra) programadas com antecedência entre o juiz e os advogados, programando-se também dia, hora e local para o depoimento das testemunhas, de modo a procurar evitar a sua deslocação em vão para o efeito, e que a prestação de depoimento por Skype ou WhatsApp ou alguma outra aplicação do género é uma realidade.

No passado mais recente, e em resultado da cultura de colaboração e corresponsabilização que assinalei, tem vindo a consolidar-se o pensamento de que, até prova em contrário, o decisor tem a capacidade e o treino necessários para a boa gestão do processo – incluindo para avaliar a idoneidade e credibilidade de um depoimento, mesmo que produzido à distância -, podendo o processo contar com a postura séria e colaborante de todos (incluindo advogados, pois que a sua posição necessariamente parcial no processo não coloca – nem pode colocar – em causa tais características fundamentais).

Perante este estado de arte é especialmente frustrante perceber a ausência de uma política de investimento público sério e relevante, que poderia trazer todo um espetro de melhorias: sistemas de ar condicionado a funcionar nas salas de julgamento, tribunais equipados com Wi-Fi; maior número de salas dotadas de soluções informáticas mínimas para a realização de julgamento, possibilitando assim que o exercício de conciliação de agendas entre os diferentes juízes de um Tribunal e, depois, entre o juiz e os advogados de um processo não seja o exercício complicado que é; número suficiente de funcionários judiciais para tramitar de forma eficaz e célere a pendência de cada tribunal, e número suficiente de técnicos informáticos para prestar assistência às falhas informáticas do sistema Citius ou Sitaf (especialmente durante um julgamento); criação de uma carreia de efetivos assessores de juízes, libertando-os do trabalho mais burocrático e de preparação base de audiências e de decisões, entre tantas outras pequenas e grandes, simples e estruturais alterações.

Ao invés, e em especial quanto aos funcionários judiciais/oficiais de justiça, o que vejo que são um número cada vez menor para o número de processos, sem formação técnica/prática adequada e sem qualquer possibilidade ou incentivo para fazer um esforço extra no apoio a diligências e à tramitação do processo.

Hoje é felizmente indiscutível que o (bom, eficaz e célere) funcionamento da justiça é instrumento por excelência de tutela e exercício de direitos fundamentais, métrica muito relevante de desenvolvimento socioeconómico e incentivo ao investimento económico. Espero por isso que o empenho de todos os agentes da justiça seja reconhecido e promovido na retoma do ano judicial no dia 1 (ou 5!) de setembro.

  • Carla Góis Coelho
  • Sócia na área de Resolução de Litígios da PLMJ

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