O trabalhador-tecnológico, o trabalhador-sócio e o “trabalhador 5.0”: os desafios ao Direito do Trabalho de que não se fala

  • Ana Cristina Ribeiro Costa
  • 14 Junho 2021

O trabalho assume hoje formas muito distintas e nenhuma deve ser descurada pelo legislador. Deste exige-se a criação de normas aplicáveis a todos os setores de atividade.

As tecnologias da informação e da comunicação promovem uma nova realidade laboral, assumindo vantagens e potencialidades em especial para as gerações mais jovens. Todavia, geram complexos desafios laborais, fiscais e de Segurança Social, de que são exemplos não apenas o tão falado “teletrabalho” executado em distintas jurisdições, mas também aspetos relacionados com a remuneração e vínculos destes trabalhadores.

Na verdade, o trabalho assume hoje formas muito distintas e nenhuma deve ser descurada pelo legislador. Deste exige-se a criação de normas aplicáveis a todos os setores de atividade, o que não o deve impedir, ainda assim, de considerar as especificidades de cada um deles.

É certo que as tradicionais empresas industriais, por exemplo, ainda convocam grandes debates laborais. Estas empregam trabalhadores menos jovens, com um poder negocial reduzido e que executam funções rotineiras que exigem menores qualificações. Neste contexto laboral enfrentam-se desafios como a reduzida motivação destes trabalhadores, os problemas de assiduidade e os crescentes riscos para a sua saúde e segurança.

Porém, com aquelas convivem as novas empresas tecnológicas e de serviços, que acolhem trabalhadores jovens, especialmente formados, seguros do seu valor. Estes privilegiam a possibilidade de progressão na carreira e uma maior autonomia na gestão do seu tempo. Dão preferência a vínculos que lhes confiram a possibilidade de conciliação da vida profissional com a vida pessoal e familiar, como modo de alcançar uma vida mais saudável e um estado de completo bem-estar. Na verdade, também nestas relações laborais se apela a uma melhoria progressiva das condições de trabalho, às quais o legislador procurará em breve atender, pelo menos em parte, com a regulação do trabalho remoto ou do direito à desconexão.

Mas a par destes reptos surgem aqui novas soluções, de parte das entidades empregadoras, destinadas a motivar e premiar estes trabalhadores, através de distintas formas de atribuição de benefícios e incentivos. Estas impõem desafios aos tradicionais conceitos de retribuição em dinheiro e em espécie, eventualmente insuficientes para abarcar todas estas dinâmicas, e colocam em crise institutos como o dever de lealdade e a liberdade de trabalho.

Com efeito, por vezes, a valorização e estímulo destes indivíduos surge através de um maior envolvimento dos mesmos a nível societário. Tal sucede, por um lado, através de uma maior conexão com a gestão da empresa e participação no processo de tomada de decisão (em estruturas cada vez mais flat). Por outro lado, concretiza-se no apelo à detenção de participações sociais, através de contratos que aos trabalhadores são sugeridos (ou, por vezes, impostos como alternativa a progressões salariais) sob a forma de aquisição de sweet equity, de remuneração a título de sweat equity, de participação em management incentive plans ou através da atribuição da possibilidade eventual ou condicional do exercício de stock options.

Através destas figuras, os trabalhadores (recorde-se, subordinados) assumem duplas qualidades, com contornos nem sempre claros. Umas vezes, são trabalhadores com vínculos permanentes, simultaneamente com grande autonomia técnica e crescente confiança da Administração. Outras vezes, são trabalhadores com grandes responsabilidades não coincidentes com as suas categorias profissionais. Outras ainda, são trabalhadores que assumem temporariamente cargos de administração e, mais tarde, regressam ao vínculo anterior em condições de difícil enquadramento na estrutura. Em algumas daquelas hipóteses, a liberdade de cessação do contrato pelo trabalhador fica refém de um direito futuro com relevante reflexo patrimonial. Noutras, aos trabalhadores com a qualidade simultânea de sócios exigem-se, em contrapartida desta última, condições de permanência pouco compatíveis com as exigências jurídico-laborais inerentes à liberdade de trabalho. Finalmente, mesmo após a cessação da relação laboral, subsistem por vezes deveres associados à qualidade de sócios que limitam aquela liberdade.

É evidente, pois, que o emprego neste setor representa uma nova oportunidade para o estímulo ao mercado laboral, através da fixação de trabalhadores mais qualificados e de remunerações mais elevadas. Acresce que, nesta sede, o equilíbrio entre as partes na relação laboral é, em regra, mais evidente, o que é salutar.

Mas os desafios identificados fazem já parte da nossa realidade, convocando uma intervenção legislativa rigorosa, ponderada e não precipitada. Na verdade, cremos que a regulação pode ser uma forma de garantir que se aproveitam as novas oportunidades para o desenvolvimento do nosso mercado laboral, atraindo talentos e caminhando no sentido de uma importante e crescente melhoria das condições de trabalho.

  • Ana Cristina Ribeiro Costa
  • Professora Auxiliar Convidada da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa (Escola do Porto) e advogada

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