OE 2025: linhas vermelhas na política fiscal?

  • Nuno Cunha Barnabé
  • 11 Outubro 2024

Conhecidas que são as diferenças programáticas entre a AD e o PS quase que podemos dar como adquirido que não irá ser aprovado nenhum novo imposto, designadamente um qualquer imposto sobre a fortuna.

Diferente da perceção geral, ou apesar disso, o Orçamento Anual do Estado é sobretudo um instrumento político. O exercício financeiro, de balanceamento de receitas e despesas, é instrumental. O essencial do processo de aprovação do Orçamento está reservado à seleção e modulação das medidas que, filtradas pelas opções estratégicas de cada ator político, o Governo e os partidos com assento parlamentar, pretende ver aprovadas.

Anos como este, em que o Governo não dispõe de uma maioria ou acordo de incidência parlamentar que permita assegurar a paternidade da Lei do Orçamento, relembra a natureza eminentemente política do processo orçamental. O espectro de eleições antecipadas em 2025, se a negociação falhar, acrescenta ao processo uma dimensão eleitoralista e imediatista. Naturalmente, existem condicionantes financeiras. Mas, também estas, não se limitam para 2025 às que decorrem do habitual quadro macroeconómico.

Recordemos o conjunto de medidas aprovadas pela Assembleia da República e pelo Governo, cujo impacto orçamental se refletirá no Orçamento para 2025. A abolição das portagens nas SCUT, a revisão extraordinária dos escalões de IRS ou o pagamento extraordinário de um complemento de pensão têm em comum um compromisso político subjacente com determinados grupos ou faixas económico-sociais do eleitorado. Na realidade por imposição legal a margem financeira de negociação do Orçamento para 2025 não pode deixar de incluir o impacto estimado das medidas extraordinárias já aprovadas. Estas serão sempre o ponto de partida e terão mesmo de ter cabimento na Lei do Orçamento do Estado para 2025. O Governo, desde cedo, afastou a hipótese de aprovar um Orçamento retificativo de 2024. Desde logo e enquanto proponente e responsável pela execução da Lei do Orçamento, parte para o exercício com a vantagem de controlar a narrativa financeira. Este facto explica a insistência do principal partido da oposição em obter os dados de execução orçamental de 2024.

Neste contexto, o que podemos esperar do Orçamento de Estado para 2025? Qual a viabilidade de um entendimento entre o Governo e o maior partido da oposição, o PS, para a sua aprovação? Limitando a apreciação à matéria de política fiscal para as pessoas e as famílias que tem ocupado posição central na discussão entre o Governo e o maior partido da oposição, podemos começar por assinalar o que previsivelmente não deverá acontecer. Conhecidas que são as diferenças programáticas entre a AD e o PS quase que podemos dar como adquirido que não irá ser aprovado nenhum novo imposto, designadamente um qualquer imposto sobre a fortuna ou o património mobiliário, apesar do lobby noticioso recente nesse sentido. Também não se prevê qualquer medida estrutural ou inovação sistemática, o que exigiria sempre uma maioria monocolor ou coesa no parlamento.

Assim deverá manter-se o modelo dual de tributação – trabalho e pensões Vs. rendas e capital – apesar de alguma erosão pontual nos últimos 2 anos de Governo do PS. A discussão entre a AD e o PS em sede de IRS iniciada quando ainda se encontrava em funções o último ano de Governo anterior, tem-se centrado no desagravamento da tributação dos rendimentos até e/ou da classe média e no chamado IRS jovem. Perguntar-se-á se serão de fundo ou sequer substanciais as divergências entre a AD e o PS nessas matérias? Comparados o projeto de lei do Governo e a proposta de lei do grupo parlamentar do PS de revisão extraordinária dos escalões de IRS, facilmente se constata que ambos estão de acordo quanto ao desagravamento do imposto, quanto à exclusão da última categoria de rendimentos e quanto à necessidade de prevenir um efeito regressivo. Portanto, não existe nessa matéria, uma divergência politica de fundo.

Existe sim uma diferença de filosofia na progressividade do imposto que se explica pelo universo eleitoral visado por cada um, que pode determinar ou não uma atenuação da progressividade da medida nos escalões mais baixos. Mas esta discussão da progressividade do imposto não tem de se fazer apenas em “linguagem de tabelas”. Existem outros instrumentos: as deduções ao rendimento tributável do trabalho e das pensões; as deduções à coleta – mais precisas porque associadas á situação pessoal de cada contribuinte; o mínimo de existência; e ainda diversos benefícios fiscais. Se quisermos ir mais longe podemos ainda ajustar o mix de rendimentos entre trabalho e pensões Vs. rendas e capital. Portanto, se quanto à tabela das taxas gerais de imposto, salvo recuo do Governo ou do PS, o espaço para um acordo é muito estreito – já foi quase todo consumido nas discussões que conduziram a aprovação do projeto de lei do grupo parlamentar do PS – no plano das deduções e isenções essa discussão está ainda por fazer.

Quanto ao IRS Jovem, a proposta de lei do Governo é estruturalmente diferente do regime que se encontra em vigor introduzido pelo anterior Governo. A proposta de lei do Governo não se limita a alargar a idade dos beneficiários dos 30 para os 35 anos, antes transforma uma isenção temporária e degressiva, até 5 anos, num regime autónomo com taxas progressivas específicas (excetuado no último escalão). Sem surpresa, o PS já veio manifestar a sua oposição à proposta do Governo, fazendo desta proposta uma das suas “linhas vermelhas” para viabilizar o Orçamento. Contudo, para a AD, a taxa de 15% até aos 35 anos do IRS Jovem é fundamental pois foi bandeira eleitoral vertida no programa do Governo. Significarão essas linhas traçadas que um acordo nesta matéria esteja condenado ao insucesso e que insistência do Governo conduza a negociação do Orçamento ao fracasso?

Um acordo técnico que agrade ao universo eleitoral de cada ator é facilmente gizável podendo conceber-se um regime até aos 35 anos com uma taxa máxima de 15%, modulada quanto à progressividade, com tetos e indexantes, mantendo em parte o regime em vigor. Havendo vontade política de não iniciar uma crise, as soluções técnicas para se chegar a um acordo a contento das bases de apoio eleitoral da AD e do PS são variadas. Pode dizer-se que são tantas que não serão o desagravamento do IRS em geral e o dos jovens em particular a minar o caminho do entendimento.

(Nota: A presente opinião foi escrita antes da apresentação da proposta do Orçamento do Estado para 2025)

  • Nuno Cunha Barnabé
  • Sócio da Abreu Advogados

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