
Populismo e propinas
Escolher falar do descongelamento das propinas sem referir que o valor real se mantém só tem um nome: Populismo.
Há quem defina populismo como uma abordagem fundada na simplificação da realidade. Neste contexto, populistas são aqueles que, maldosamente ou não, rejeitam a complexidade dos problemas, que se recusam a olhar para os matizes das temáticas ou para as soluções muitas vezes contraintuitivas. São aqueles que têm sempre uma panaceia na ponta da língua e para os quais as soluções são sempre muito evidentes. Mais do que isso, são aqueles que acreditam que quem olha para a realidade com outras cambiantes, quer necessariamente o nosso mal.
A discussão da última semana sobre o descongelamento das propinas da licenciatura e a liberalização das propinas de mestrado esteve repleta destes populistas. Vimos indignações performativas de vários quadrantes, mas a da líder da JS, Sofia Pereira, e as de algumas Associações Académicas foram, efetivamente, as que me ficaram na retina.
Em primeira análise, é importante frisar que a propina da licenciatura continua realmente congelada, visto que, aumentando à taxa de inflação, mantém o seu valor real. Nesta instância, se considerarmos que os salários aumentam à inflação, que anualmente o limiar da atribuição da bolsa aumenta com a inflação (via IAS) e que, também, a bolsa mínima passará a aumentar com a inflação (via propina), não há um único estudante que saia a perder.
Aliás, o modelo do congelamento absoluto da propina anterior é que foi prejudicando os bolseiros. Nunca é demais lembrar que a bolsa mínima é de 125% da propina máxima da licenciatura (até agora 697€). Ora, se tudo ficou mais caro desde 2020 e a bolsa mínima não aumentou, foram os bolseiros que perderam poder de compra. Por causa do congelamento, os bolseiros perderam em poder de compra toda a inflação acumulada desde 2020 (cerca de 18%).
É exatamente por isto que os exemplos acima se comportam como populistas. É exatamente porque eles conhecem estes factos, sabem que a realidade é assim, e escondê-la é uma escolha ponderada. Seja por aversão à realidade, imposição ideológica ou necessidade meramente política, escolhem deliberadamente ignorar a realidade.
Em segunda instância, podemos olhar para aquilo que o ministro referiu com clareza: propinas baixas são regressivas. É uma forma dos mais pobres, com os seus impostos, pagarem os estudos aos mais ricos. A externalidade positiva associada ao ensino é evidente: a sociedade prospera com os simples efeitos spillover da escolarização de cada indivíduo. Contudo, boa parte dos ganhos mantêm-se privados ou pessoais por via, por exemplo, de um prémio salarial futuro individual. É perverso serem os impostos dos mais pobres a financiar estes ganhos privados, quando estes mesmos pais não conseguiram colocar os seus filhos no ensino superior.
É inegável que propinas mais altas exigem mais ação social e muito maior celeridade na atribuição das bolsas. Qualquer estudante antes das colocações deve saber se tem ou não direito a bolsa pública – não podemos deixar os nossos estudantes à deriva. Mas verdade seja dita, um aumento das propinas de 13€ anuais foi acompanhado de um aumento da ação social para o ensino superior de 43% (de 70 para 100 milhões de euros).
Escolher falar do descongelamento das propinas sem referir que o valor real se mantém, que a bolsa mínima vai deixar de perder poder de compra, que o aumento nominal é de apenas 13€ anuais e que ação social recebeu um aumento de 30 milhões, só tem um nome: populismo. É mera demagogia e da mais rasteira, porque foge dos números para apelar ao medo dos estudantes que já hoje têm vidas apertadas. Discutir 13 euros de propina enquanto ignoramos milhares de euros em alojamento é o mais caro populismo que podemos pagar.
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