
Portugal 2024-2027: Crescimento com Pés de Barro
Os tempos que se avizinham não serão fáceis, ao contrário do que, muito provavelmente, será anunciado em período de campanha eleitoral. Portugal necessita de reformas estruturais.
Neste artigo, analiso as mais recentes previsões económicas do Banco de Portugal (BdP), destacando a fragilidade dos números associados ao crescimento económico, tanto no presente como nos próximos anos. Esta fragilidade resulta não apenas de um efeito estatístico e de riscos conjunturais relevantes — sobretudo de origem externa —, mas, acima de tudo, da ausência evidente de progressos estruturais, que continuam a condicionar severamente o potencial da economia portuguesa.
As mais recentes previsões do BdP (Boletim Económico de Março) apontam para um crescimento real do PIB de 2,3% em 2025, representando um aumento de 0,4 pontos percentuais (p.p.) face à estimativa de 1,9% para 2024. Este cenário sugere uma aceleração da atividade económica. No entanto, importa sublinhar que mais de metade do crescimento previsto para 2025 resulta de um efeito estatístico, o qual explica essa aceleração.
De facto, o efeito estatístico de carry-over justifica 1,4 p.p. – ou seja, 61% – do crescimento económico projetado de 2,3% para 2025. O mecanismo é simples de entender: dado que o PIB no quarto trimestre de 2024 superou as expectativas, bastará que esse nível se mantenha constante ao longo dos quatro trimestres de 2025, sem qualquer crescimento em cadeia, para que o PIB suba automaticamente 1,4% no conjunto do ano. Em contraste, em 2024, o efeito carry-over foi de apenas 0,5 p.p. — um valor mais modesto e alinhado com a normalidade —, correspondendo a cerca de 26% do crescimento real de 1,9% nesse ano. Eliminando o efeito em ambos os anos, verifica-se que, em vez da aceleração aparente do PIB, o ritmo de crescimento assim corrigido reduz-se de 1,4% em 2024 para 0,9% em 2025.
Por outro lado, o crescimento económico reduz-se ao longo do horizonte de previsão, para 2,1% em 2026 e 1,7% em 2027, ano em que o abrandamento se acentua por se começar a evidenciar o impacto do termo do PRR, como sublinha o BdP. Esta trajetória confirma a persistência dos problemas estruturais da economia portuguesa, que continuam a limitar uma dinâmica de crescimento mais robusta.
O Ageing Report 2024 da Comissão Europeia evidencia que, a partir de 2026 — esgotado o efeito do PRR e ultrapassado o surto do turismo, que já registou um abrandamento significativo em 2024 —, o nosso crescimento potencial sofrerá uma quebra acentuada, regressando a uma dinâmica inferior à média da União Europeia (UE). O relatório projeta que, na década até 2033, a economia portuguesa cresça a um ritmo anual ligeiramente superior a 1%, precisamente em linha com o registado desde o início do milénio.
Como tenho vindo a salientar, o Ageing Report 2024 da Comissão Europeia evidencia que, a partir de 2026 — esgotado o efeito do PRR e ultrapassado o surto do turismo, que já registou um abrandamento significativo em 2024 —, o nosso crescimento potencial sofrerá uma quebra acentuada, regressando a uma dinâmica inferior à média da União Europeia (UE). O relatório projeta que, na década até 2033, a economia portuguesa cresça a um ritmo anual ligeiramente superior a 1%, precisamente em linha com o registado desde o início do milénio. Este diagnóstico demonstra, de forma inequívoca, que, na ausência de reformas estruturais profundas, a economia nacional continuará estagnada, aproximando-nos cada vez mais da cauda da UE em termos de nível de vida.
Retomando a análise do Boletim Económico de março, num cenário adverso que incorpora o impacto do aumento das tarifas e da maior incerteza, o BdP estima que as taxas de crescimento económico se reduzam para 1,4% em 2025 e 1,7% em 2026, ainda que em 2027 haja uma recuperação para 1,9% — um efeito que, no entanto, não compensa a revisão em baixa dos anos anteriores. No conjunto do horizonte de projeção, as tarifas provocam uma redução da variação média anual do PIB entre 2024 e 2027 de 2,0% no cenário base para 1,7% no cenário adverso, o que representa uma perda média de 0,3 p.p. no crescimento da economia portuguesa em cada um desses anos.
Não identifiquei, no Boletim Económico de março, referências específicas do BdP quanto ao impacto económico das eleições legislativas antecipadas em Portugal, pelo que se poderá considerar este mais um risco não contemplado no cenário base. Já tive oportunidade de abordar esta questão noutros espaços de opinião; sublinho apenas que o País não necessitava de acrescentar um fator adicional de instabilidade e incerteza no plano interno, quando já enfrenta um contexto externo marcado por elevada volatilidade. Não tenho dúvidas de que algumas decisões, tanto do Estado como das empresas, permanecerão em suspenso, com impacto negativo na atividade económica e na vida em sociedade, ainda que esse efeito possa ser mitigado pelo facto de o processo eleitoral ter sido encurtado ao mínimo admissível.
Não haver sinais de pressão em alta da nossa yield soberana e no prémio de risco é positivo, significa confiança face ao bom desempenho das contas públicas. Só num cenário de ingovernabilidade pós-eleições e problemas no mercado de dívida europeu é que antevejo pressão sobre os nossos juros.
Ainda que as eleições, por si só, possam não gerar um impacto económico negativo de grande relevo no curto prazo, caso os resultados resultem em condições de governabilidade reduzidas — ou até mais frágeis do que as atuais —, tal inevitavelmente comprometerá a confiança dos investidores e dos agentes económicos em geral, com efeitos económicos potencialmente graves e duradouros a médio e longo prazo. Esse impacto será tanto mais acentuado se o governo subsequente optar por reverter medidas já incorporadas nas decisões empresariais, como a redução, ainda que modesta, da taxa de IRC.
Por outro lado, caso as condições de governabilidade saiam reforçadas num cenário pós-eleições – o que é possível, como mostraram as eleições regionais na Madeira –, podemos até ter um impacto positivo no crescimento económico a prazo, assim a oportunidade seja aproveitada pelo novo governo para adotarmos reformas estruturais, como as que defendi na crónica anterior neste espaço de opinião. São muitos os ‘ses’. Para já, o que é certo é que há mais incerteza — disso não restam dúvidas. No entanto, perante mais esta oportunidade para o País se reformar e modernizar, impõe-se promover um debate esclarecido e construtivo.
Vejamos agora a justificação do BdP para o cenário base de crescimento por componentes de despesa:
- “O crescimento económico em 2025–26 beneficia do alívio das condições financeiras e tem subjacente uma aceleração da procura externa e uma execução dos fundos europeus mais concentrada agora em 2026.”
- “Após um aumento de 3,2% em 2024, o consumo privado cresce 2,8% em 2025 e 1,8% em 2026 e 2027”, a refletir a evolução do rendimento disponível real.
- “Em 2025–26, o investimento deverá acelerar em reação à melhoria das condições de financiamento e da procura, e à maior entrada de fundos europeus.”
- Nas exportações, a perspetiva é de abrandamento em 2025-2026, com a aceleração da procura externa a ser contrariada por menores ganhos de quota. “A perspetiva de um aumento das tarifas à importação de bens da UE pelos EUA implica riscos em baixa para o crescimento das exportações de bens.” Passada a forte retoma pós-pandemia, a procura turística deverá continuar a abrandar.
Ou seja, com exceção do investimento estimulado pela concentração da execução do PRR até 2026, o que vemos é um abrandamento do consumo e das exportações no horizonte de projeção – mesmo sem ter em conta o impacto das tarifas nas exportações, que só é incorporado no cenário adverso –, sendo que estas duas componentes, sobretudo o consumo, pesam muito mais no PIB do que o investimento.
Em suma, mesmo beneficiando de condições de financiamento mais favoráveis — com a redução das taxas diretoras do BCE —, da execução do PRR e de um setor turístico ainda em expansão, embora a um ritmo mais moderado, a trajetória da economia portuguesa continua a ser de abrandamento. Esta tendência verifica-se inclusivamente em 2025, quando se desconta o empolamento decorrente do efeito estatístico do carry-over, e agrava-se caso se considere, adicionalmente, o impacto potencial das tarifas de Trump sobre a nossa economia.
Resta referir que, numa pequena/média economia aberta como a portuguesa, com um mercado interno relativamente reduzido, as exportações são a forma de alargar o mercado e potenciar o crescimento das empresas e da economia – é inescapável, se quisermos que a economia e a sociedade se desenvolvam.
Num modelo de crescimento económico extrovertido como deve ser o português, a diversificação de mercados é, por isso, fundamental como forma de reduzir riscos, para mais no contexto internacional adverso e incerto que vivemos, que se agrava com a política volátil de tarifas de Trump. No nosso modelo falta, sobretudo, evoluirmos para uma especialização mais assente em conhecimento e tecnologia, o que se faz criando uma envolvente favorável com incentivos adequados a projetos de investimento de bens e serviços transacionáveis internacionalmente com elevada geração de valor e produtividade, aproveitando as orientações e oportunidades da UE – como a reindustrialização, que passa agora a abranger também o setor da defesa –, sem a tentação de dirigismos de Estado, como escolher setores. Basta ver que é possível inovar e gerar mais valor em qualquer setor e nicho de mercado – devem, por isso, ser as empresas a decidir isso em função das tendências de mercado, não o Estado. É também o caso do turismo, que deve evoluir cada vez mais em qualificação e valor (e começamos a ter bons exemplos), de modo a reduzirmos a dependência da nossa economia do turismo de massas, com baixo valor médio por turista e cada vez menos sustentável, gerando pressão sobre as infraestruturas (incluindo a habitação) e o ambiente.
Como é evidente, os tempos que se avizinham não serão fáceis, ao contrário do que, muito provavelmente, será anunciado em período de campanha eleitoral. Portugal necessita de reformas estruturais — expressão que, não raras vezes, parece causar desconforto a muitos, incluindo ao anterior Primeiro-Ministro António Costa, atualmente Presidente do Conselho Europeu —, várias delas amplamente reconhecidas e há demasiado tempo adiadas. Mas, para além dessas reformas já identificadas, é imperativo encontrar soluções inovadoras e eficazes para desafios prementes, como o da habitação. Naturalmente, muitas dessas reformas e medidas exigirão tempo para produzir efeitos e implicarão compromissos. Porém, são indispensáveis se quisermos assegurar um verdadeiro desenvolvimento económico e social do País.
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