Portugal ‘shaken, not stirred’, mas chumba no teste sísmico

Uma das ideias que ficou no ar esta segunda-feira é que, num país com traumas sísmicos, são poucas as pessoas que sabem o que fazer em caso de terramoto grave, por falta de informação e treino.

“Sentiste?”, foi a pergunta que abriu a semana. A terra tremera durante a madrugada, num sismo de 5,3 na escala de Richter e com epicentro ao largo de Sines. A conversa estava animada nos grupos do WhatsApp, com os que acordaram às 5h11 com o terramoto a explicarem aos que continuaram a dormir (foi o meu caso) como tinha sido. Felizmente o tom era leve, pois o abalo fora simplesmente isso, sem tsunami, sem grandes danos e, principalmente, sem vítimas.

Mas no meio de ‘memes’ e de alívio, sentia-se algum nervosismo num país que sabe que está em zona de risco sísmico e que tem como referências os terramotos de 1755 e 1969. Essa ansiedade era refletida nos comentários dos governantes, que tentavam conciliar o alívio com alertas.

Marcelo Rebelo de Sousa, que aparentemente dorme muito pouco, foi dos primeiros a reagir, com um comunicado a partir de Belém e depois a ligar para as televisões para acalmar a população. Podemos criticar o Presidente por muitas razões, mas esteve francamente bem. É nestas situações que Marcelo é bom, uma espécie de gestor de crise, que dá logo a cara para tranquilizar, informar e colocar o drama em contexto, como já tínhamos visto nos casos dos incêndios e da pandemia.

Paulo Rangel, que está como primeiro-ministro em funções durante as férias de Luís Montenegro, falou aos jornalistas antes de reunir a meio da manhã com Marcelo e colocou o sismo em contexto: um teste real às capacidades de resposta do país no caso de uma catástrofe grave.

Será que Portugal passou nesse teste? Acertou nalgumas respostas, mas não parece que tenha passado. Depois da reunião com Rangel, o Presidente ajudou a avaliar a prestação no exame. Nota positiva para a capacidade de resposta muito rápida da Proteção Civil e a coordenação desta com o Governo, elogiando o curto lapso de tempo entre o sismo e a validação dos danos.

Sobre a demora das comunicações da Proteção Civil à população, no entanto, disse que se retiram lições para o futuro. Os portugueses já estão habituados a receber mensagens com alertas da ANEPC e estranharam não terem recebido nada sobre o sismo, especialmente quando ficou claro que utilizadores do sistema Android receberam alertas nos telemóveis. Um sismo de magnitude mais elevada ou registos de danos se calhar teriam acionado mensagens da Proteção Civil, mas neste caso além do silêncio causar confusão, perdeu-se uma oportunidade de fazer alguma pedagogia (por exemplo com instruções para o caso de réplicas). Nota média.

O alerta principal de Marcelo foi, contudo, sobre a prevenção de riscos sísmicos na construção, especialmente nas obras públicas. O Presidente pediu, e bem, uma reflexão sobre o tema. Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, também falou desse assunto, assegurando que a autarquia está a avaliar os reforços necessários nos edifícios, nos viadutos e nas escolas. Tudo bem, mais vale tarde que nunca, mas não é muito reconfortante saber que o nível de preparação ainda só está na avaliação ou no debate. Nota negativa.

Moedas falou ainda de sirenes em dois centros de turismo em Lisboa (Baixa e Belém) para alertar as pessoas para sítios seguros, cuja localização não mencionou, e de 2.500 kits de informação que a CML entrega a jovens anualmente. Nenhuma das medidas é descabida, mas é amplamente insuficiente. Uma das ideias que ficou no ar esta segunda-feira é que, num país com traumas sísmicos, são poucas as pessoas que sabem o que fazer em caso de terramoto grave, por falta de informação e treino. Nota muito negativa.

A notícia mais preocupante surgiu durante a tarde. Segundo a Associação Portuguesa de Seguradores (APS), só 19% das casas no país estão protegidas pela cobertura de risco sísmico, devido principalmente por falta de informação. As seguradoras já estão há anos a pedir a criação de um Fundo Sísmico para ajudar na recuperação em caso grave, seguindo modelos em Espanha, Turquia e Marrocos, assumindo a forma de uma Parceria Público-Privada, com governação autónoma, em que o Estado aparece como último recurso após os riscos terem sido cobertos.

A Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões era suposto ter pronto um plano para a criação desse fundo em março, mas afinal só o vai entregar ao Governo no final do ano. Só para termos uma ideia, segundo a APS, a reconstrução de Lisboa após um sismo semelhante ao de 1755 custaria hoje mais de dez mil milhões de euros.

Nota global no exame: chumbo preocupante.

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