Presunção e Água Benta
Os socialistas dizem continuar a negar a austeridade e demoraram 20 anos a aceitar a necessidade de finanças públicas equilibradas, mas acham-se agora com o direito de dar lições de moral.
Nos últimos tempos assistiu-se à situação caricata, e até cómica, de ver alguns ex-ministros socialistas (Medina, Centeno, Siza Vieira) a pretender dar lições e conselhos de responsabilidade ao novo governo sobre a necessidade de Portugal ter finanças públicas sólidas e bem geridas.
Alguns jornalistas e comentadores foram mais longe e disseram que existia mesmo o perigo da direita vir estragar tudo o que o socialismo construiu, os excedentes maravilhosos das contas “certas” e o autêntico “milagre” que foi a “diminuição” da divida pública (apesar do seu grande aumento em termos absolutos).
“A direita dispõe agora do enorme excedente”, afirmaram, “para poder aumentar salários e repor a justiça nas forças de segurança ou a antiguidade de profissionais dedicados como são os professores”, coisas que os socialistas não terão feito porque estavam tão concentrados na governação das finanças públicas que se esqueceram do resto.
O novo dirigente socialista P. Nuno Santos até se veio disponibilizar para aprovar um orçamento rectificativo para que tais aumentos sejam possíveis, esquecendo-se de referir porque é que não o fez quando o seu partido estava em maioria absoluta. Mas não deixou de sublinhar que a direita não tem estabilidade nem ideias para governar, apesar de o próprio ter participado num governo que, em alguns meses, substituiu 14 governantes e destruiu uma maioria estável.
Tal verborreia é cómica porque apenas colhe junto do “rebanho” de “crentes”, os que continuam a negar que alguma vez os socialistas tenham gerido mal as finanças públicas ou qualquer outra coisa, e de “devotos”, os que dependem do socialismo e nunca hesitarão em repeti-la para garantir a sua “vidinha”.
Mas além de caricata, esta verborreia também é perigosa pelas ilusões que cria. Para o comum dos mortais não deve passar do juntar o “contar vantagem” dos brasileiros com o “é fartar, vilanagem” dos portugueses. O primeiro mistura realidade e imaginação para vender uma ilusão. O segundo funciona como um sinal para os “devotos” afastarem a moral e afiarem a língua.
Quando os socialistas colocaram Portugal em bancarrota nenhum dos seus militantes, nem os ex-ministros acima citados, vieram pedir uma boa gestão das finanças públicas. O desequilíbrio das contas públicas começou em 1995, quando o PS de Guterres chegou ao poder, e a bancarrota surgiu em 2011, 16 anos depois. Nesse período houve tempo suficiente para alertar sobre o que se passava em Portugal, mas nunca houve lições e conselhos sobre finanças públicas.
Pelo contrário, o pouco que se ouviu foi a negação da realidade e a repetição da frase de matiz socialista: «há mais vida para além do défice». Medina, que era secretário de estado em 2011, culpava os alemães por terem diminuído os custos do trabalho, mas negava qualquer responsabilidade socialista por um défice orçamental superior a 11% do PIB ou por uma divida que aumentava muitos milhares de milhões de euros todos os anos.
O mesmo pretensiosismo pedagógico chegou-nos também por A. Costa, o ex-primeiro-ministro socialista. Disse ele: “É melhor decidir como gastamos o que temos do que andar preocupados em saber como pagamos o que temos de pagar”. Eu fiquei atónito. Não pelo sentido da frase, mas por tentar compreender o suplício que deve ter sido para Costa o acumular de dúvidas existenciais na sua cabeça ao longo da última década.
Na cabeça de Costa, as loas e hossanas que deu durante anos ao Syriza e aos seus amigos Tsipras e Varoufakis, a quem juntou a voz para lutar contra as “políticas de austeridade” que teriam sido impostas a Portugal e Grécia, viveram num acirrado conflito existencial com a austeridade das contas “certas” que o mesmo Costa impôs e que se traduziu numa asfixia fiscal, no caos na saúde, com urgência encerradas, doentes nos corredores, mortes em ambulâncias e em matas perto dos hospitais, em alunos sem aulas e professores em greve, na insegurança nas ruas, polícias em manifestações e justiça atrofiada, ou na falta de habitação.
Este suplício na vida de Costa não se limitou às políticas públicas. Também nos valores sofreu como poucos. Enquanto Portugal comemorava o 25 de Novembro, que nos poupou a uma ditadura comunista, e aclamava o papel de Mário Soares, uma das suas referências socialistas, Costa comemorava no Chile uma tentativa de se instalar outra ditadura comunista, confundindo na sua cabeça os valores ditatoriais com as convicções herdadas do seu mentor político. Perante todos estes suplícios, a cabeça de Costa começou a fazer curto-circuito e terá sido por isso que se resolveu demitir e desperdiçar uma maioria absoluta.
Apesar do suposto “milagre” na gestão das finanças públicas e da luta contra a austeridade, que comentadores e jornalistas alinhados continuam a louvar, as alianças com a esquerda radical em Portugal e no Chile, o apoio à irresponsabilidade grega de Tsipras e Varoufakis, e o reconhecimento tardio da necessidade de gastar com parcimónia e de não viver de utopias, que Costa e os ex-ministros agora ostentam na comunicação social, e que o seu “rebanho” repete obedientemente, causaram muitos problemas e custaram suor e lágrimas aos portugueses.
Por isso é perigoso continuar a forçar a ilusão das contas “certas”, como António Costa, director do ECO, aqui bem realçou. E também por isso devem desiludir-se os que já estão a fazer cálculos com as “benesses” do suposto “excedente”. Os socialistas não só não resolveram nenhum problema estrutural importante na sociedade portuguesa porque andaram 8 anos a evitar decisões difíceis, como deixaram agravar muitos deles, tendo-se dedicado nos últimos meses a gastar o que conseguiram em aumentos pré-eleitorais (estimativas apontam para uma despesa permanente de 1,7 mil milhões de euros).
No consulado socialista Portugal foi ultrapassado por países de Leste que eram ditaduras comunistas, o nível de divida pública continua a desrespeitar o compromisso de ter um valor inferior a 60% do PIB (a valores actuais terá de ser reduzida em 106 mil milhões de euros, cerca de 100 mil euros por português), mais de 1 milhão de trabalhadores portugueses (em 5 milhões) estão no desemprego ou subutilizados, as empresas sentem falta de pessoal qualificado, houve um aumento dos sem-abrigo a dormir nas ruas sem paralelo na história recente, a taxa de desemprego jovem é superior a 20% e parte desta população mais qualificada emigrou.
Os socialistas dizem continuar a negar a austeridade e demoraram 20 anos a aceitar a necessidade de finanças públicas equilibradas, recusando-se ainda hoje a reconhecer que estavam errados. Mas como cristãos-novos da boa gestão das contas públicas acham-se agora com o direito de dar lições de moral, fazendo por esquecer o estado em que deixaram Portugal. Presunção e Água Benta, cada qual toma a que quer.
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