Prime-Time Israel
Sobretudo na Europa, o conflito divide e fractura famílias políticas e une adversários políticos. A Europa parece refém do destino de Israel. A Europa parece refém do destino da Palestina.
O mundo olha para Gaza com uma sede de sangue de séculos. As notícias anunciam a “invasão terrestre” a cada segundo. Os jornalistas filmam de perto a paisagem ao longe de uma Gaza ficcional. Gaza a terra dos escombros assinalados no inferno do Médio Oriente. Escombros que escondem corpos e corpos que reclamam a justiça dos seus semelhantes e a dos seus inimigos. Será que os cadáveres de Gaza e os cadáveres de Israel vivem finalmente em paz no paraíso ou no inferno? Será que os mortos árabes e os mortos israelitas partilham o mesmo paraíso? Uma coisa parece certa. Os corpos palestinos e os corpos judeus partilham certamente o inferno entre os vivos e os mortos.
O Hamas está ausente das imagens e dos escombros. Sente-se a manipulação das imagens e das notícias. O IDF está ausente das imagens e dos escombros. Sente-se a manipulação das imagens e das notícias. A Palestina é hoje a terra da pós-verdade. A Palestina é hoje o centro de gravidade que absorve a política, que ameaça a ordem internacional, que concentra todas as preocupações e todas as divisões. O espectáculo da guerra iminente alimenta o voyeurismo do ocidente e do oriente. A iminência da guerra move a diplomacia. A diplomacia arrasta-se perante os detritos de Gaza, os destroços do kibutz, todo um passado de impérios feitos e desfeitos na terra sagrada com uma história desgraçada.
A Palestina é uma suspensão da política normal. Israel é uma suspensão da política normal. Não existe “processo de paz” nem “acordos de cessar-fogo” nem “direito internacional humanitário” nem as palavras que sublimam a guerra sempre presente na política. Israel e a Palestina estão ligados por um paradoxo insanável que divide o mundo – sem palestinianos Israel seria um imenso kibutz esquecido no Médio Oriente; sem israelitas a Palestina seria uma entidade idílica e esquecida apenas visível nas fotografias românticas de um Médio Oriente durante o Mandato Britânico. O sionismo que toca o orientalismo. O sonho do sionismo colide com o sonho da nação árabe. O Shoah abraça a Nakba.
E depois há as crianças. Crianças por todos os lados. Crianças mortas, crianças feridas, carros de criança baleados, corpos de crianças queimados. O choro das criaturas que intervalam o som das explosões no meio da tempestade da poeira dos edifícios. Será que o choro das crianças da Palestina é igual ao choro das crianças de Israel? Será que há um choro árabe e um choro hebraico? É o choro das crianças e o silêncio dos deuses. O clássico das crianças como armas de guerra no olhar dos inocentes e nas palavras dos combatentes. Entre o choro e os deuses está todo o sofrimento humano que pratica e justifica aquilo que é desumano. A guerra é a guerra. Não é um teatro de especulações excitadas para consumo de activistas sensíveis instalados em sofás coloridos.
A Faixa de Gaza não são as imagens que passam ao longe como silhuetas da destruição. Existe a Gaza do Hamas que é um grande complexo subterrâneo com cerca de “500 km” de extensão. A visão da ofensiva de Israel é a perspectiva de uma guerra pós-industrial, pós-apocalíptica, travada na escuridão das profundezas quentes, claustrofóbicas, labirínticas, em que os homens são colocados num espaço infinitamente exíguo onde se entra numa verdadeira descida aos infernos. Dizia-se nos anos trinta na Alemanha que para se entender um judeu era necessário entender as ratazanas. Ratazanas e judeus eram criaturas do esgoto, dos túneis, das sombras. Para o Hamas esta é uma definição rigorosa da “entidade sionista” a destruir e a exterminar. A ironia macabra e anti-semita na visão de uma guerra dos túneis.
Israel não é apenas o IDF e a legião de carros de combate que cobrem a terra a perder de vista com o esvoaçar de bandeiras azuis e brancas com a estrela de David. Uma floresta de bandeiras que lembra o imaginário germânico e a natureza da pátria personificada na grande floresta negra. Uma floresta é um símbolo de permanência, de persistência, de identidade – como judeus estamos e como judeus ficamos. Ausente do discurso e dos cenários é a capacidade nuclear do estado de Israel. A capacidade nuclear de Israel nunca foi oficialmente admitida ou desmentida. A política oficial baseia-se na “ambiguidade deliberada”. No entanto, analistas internacionais estimam que a capacidade nuclear de Israel rondará entre as “90 e as 400” ogivas operacionais. Os túneis de Israel são afinal silos nucleares. Imaginam a destruição e o extermínio de Israel com o botão nuclear sobre a mesa?
O conflito que ilumina com explosões de sangue a luz branca do Mediterrâneo viaja pelo planeta e ofusca a mente, o raciocínio, a lucidez do mundo e da Europa. Sobretudo na Europa, o conflito divide e fractura famílias políticas e une adversários políticos. A Europa parece refém do destino de Israel. A Europa parece refém do destino da Palestina. A Europa, a “Eurabia”, que tem nas suas nações pequenas Palestinas que se radicalizam ao ritmo das explosões em Gaza. A Europa não vai conseguir evitar que os estilhaços de Gaza cheguem às ruas da Europa. Londres, Paris, Amesterdão, Bruxelas, eis o roteiro de uma campanha de atentados bombistas. O terror nas ruas da Europa e as montras das lojas de luxo desfeitas em diamantes de vidro.
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