Editorial

PRR, a Recuperação do Estado e a Resiliência das empresas

O Plano de Recuperação e Resiliência está em consulta pública nas próximas duas semanas. É um bazuca de investimento público e uma espingarda de apoio às empresas.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que define as áreas e projetos que vão beneficiar da chamada ‘bazuca europeia’ está desde esta terça-feira em consulta pública — por um período de de duas semanas — e será depois entregue formalmente em Bruxelas. É um plano de recuperação do que não foi investido no Estado na última década e de resiliência para as empresas e para o setor privado que não são propriamente uma prioridade (para não dizer outra coisa).

Já havia um draft de plano, que resultou, por sua vez, de um plano estratégico desenhado por António Costa Silva. E esta última versão não muda nada de significativo em relação ao que já se sabia.

Há diferenças nas gavetas da ‘bazuca’. O Programa de Recuperação e Resiliência prevê que Portugal venha a receber 13,9 mil milhões de euros em subvenções e o recurso a empréstimos será no valor de 2,7 mil milhões de euros. Este valor é quase metade do que estava previsto no draft do Plano entregue em Bruxelas em outubro, mas as áreas que deles beneficiarão continuam as mesmas: habitação social, capitalização das empresas e do Banco de Fomento e comboios. E percebe-se porque é que há uma redução do volume de empréstimos: As condições a que Portugal vai ao mercado agora são tão favoráveis que dificilmente poderão ser melhores com este programa.

Há outro ponto a registar: Uma das lacunas do documento é o capítulo dedicado ao impacto macroeconómico esperado com o PRR, que é aliás obrigatório na apresentação a Bruxelas. Em outubro, o Governo estimava que o PRR deveria ter um impacto positivo de 0,4 pontos percentuais no Produto Interno Bruto (PIB) do país só no próximo ano. Mas agora essas contas não são reveladas, porque o assunto ainda estará a ser debatido com o Ministério das Finanças, explicou fonte oficial do Governo.

Depois, as grandes opções, as áreas e os projetos que vão beneficiar destes fundos mantêm-se. A ‘gaveta’ da resiliência fica com mais de oito mil milhões de euros do total das subvenções (61% do total), e servirá sobretudo para o investimento público e em áreas públicas. Para as áreas sociais e competências, incluindo aqui o SNS, setor produtivo e território e coesão. Há depois a área da transição climática (21% do total), com investimento por exemplo na expansão do Metro de Lisboa e no hidrogénio. A transição digital ‘fica’ com 18% do total de fundos, e abrange projetos como a educação digital (sim, a compra de computadores para o ensino à distância) e a reforma digital da Administração Pública.

O que se conclui? O Estado precisa de investimento, como é evidente pelo que se viu nesta crise e pelos níveis de investimento público dos últimos cinco anos, inferiores ao investimento público dos “neoliberais” no período da troika. Mas o que se vê é a utilização destes fundos para compensar o que não foi feito, não é propriamente uma estratégia para aumentar a competitividade do país e das empresas. Há um investimento público pesado, mas as prioridades às reformas que têm de ser feitas são limitadas. No mercado de trabalho, na justiça, na fiscalidade, nos incentivos às fusões e aquisições, na atração de investimento estrangeiro.

O passado histórico mostra-nos que o país desperdiçou várias pequenas bazucas nos últimos 30 anos e esta bazuca (que tem de ser somada ao novo quadro comunitário 20/30 além dos fundos ainda disponíveis no plano que está em curso e a terminar) é sobretudo uma forma de recuperar o Estado e a suas capacidades na prestação de serviços públicos e volta a pedir uma enorme resiliência às empresas e ao setor privado para resistirem à crise. É uma bazuca para o investimento público, é uma espingarda para as empresas.

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