Publicitários: de pianistas de bordel a homens de negócios
Na publicidade, haverá sempre um criativo que terá uma ideia genial para provar que o que realmente interessa ainda é ter uma boa ideia.
Corria o ano de 1979 e Jacques Séguélas lançava o livro “Ne dites pas à ma mère que je suis dans la publicité… elle me croit pianiste dans un bordel”. Era este o cartão de visita do publicitário que haveria de ficar conhecido por alguns dos mais importantes filmes publicitários da história da humanidade, mas também por ter elegido François Mitterrand e Lionel Jospin, bem como outros políticos em todo o mundo como Ehud Barak e Ricardo Lagos.
Ser publicitário à época não era tarefa fácil. O próprio Washington Olivetto, o maior publicitário da história do Brasil, conta noutro livro o seguinte: ”Meu Pai, em sua avaliação clássica dos ofícios, achava que iria dar-se bem quem se tornasse médico, engenheiro ou advogado. Naquela época a publicidade ainda não gozava de plena aceitação social. Sim, houve um tempo em que não era de bom tom escrever publicitário nas fichas de hotel”.
No entretanto, a publicidade começou a viver anos loucos. Os consumidores aumentaram exponencialmente em todo o mundo e estavam ávidos de novidades. As marcas responderam com novos produtos que precisavam de ser publicitados. As agências de publicidade foram engordando, os grandes grupos espalharam-se por todo o globo e o profissional da publicidade foi-se institucionalizando. Passámos a ter processos, excel, códigos de conduta e preenchimento obrigatório de timesheet.
Acrescentámos à criatividade novas valências como a estratégia, o serviço ao cliente e até o planeamento de media. As agências de publicidade perderam muito do seu romantismo e deixaram de ser o refúgio monetário de loucos, escritores e artistas plásticos. De Easy Rider a Volvo Driver foi apenas um piscar de olhos.
Uma pausa. Lendo esta crónica deve estar a pensar que eu vaticino uma vida muito cinzenta para quem trabalha em publicidade – mas não. A maior beleza da publicidade é precisamente esta. Todos sabemos o que é hoje mas dificilmente conseguimos adivinhar o que será amanhã.
Neste exercício de futurologia há quem vá apontando caminhos. Há aqueles que parecem querer que o nosso negócio no futuro se resuma apenas a mais um negócio e há os que tentam criar novos modelos de agência de publicidade.
Uma das agências que tem sido protagonista da criação de novos modelos não vem nem da Madison Avenue nem da City. Chama-se Zulu Alpha Kilo, vem de Toronto e tornou-se este ano a primeira agência não americana da História a ser a “Small Agency of the Year” para a Advertising Age.
A agência ficou mundialmente conhecida no mercado com um site arrojado. Onde três sócios – que posteriormente viemos a saber serem simplesmente actores – fazem uma paródia do que é hoje o mundo da publicidade e apresentam ao mercado o seu propósito de agência. O que na palavras do seu “Co-Founder Frank Zulu” se resume a uma forma de “transformar álcool em despesas empresariais”. Mas o melhor mesmo é visitar o site, ou pelo menos ver este filme.
Tweet from @zulualphakilo
Durante todo o site estes canadianos malucos gozam literalmente com todos os clichés do mercado, desde os prémios de criatividade até aos processos supostamente estratégicos e com nomes ultra-evoluídos que não raras vezes abundam nos sites das outras agências.
Mas quem achava que a Zulu Alpha Kilo tinha chegado ao mercado para ser apenas uma paródia estava muito enganado. Tempos depois de lançar o seu site a agência criou o movimento #saynotospec, onde através de um filme ridicularizava o modelo de negócio das agências de publicidade, assente num sistema de pitch em que trabalhamos de borla para os clientes escolherem depois qual a empresa com que querem trabalhar.
E sabem que mais? Estes malucos dos canadianos conseguiram ganhar novos clientes e afirmar-se no mercado como uma agência diferente de todas as outras. Diferente não só na aparência, mas essencialmente no conteúdo.
Em suma, a Zulu Alpha Kilo ensinou-nos algo muito importante: por muito que tentem relevar a criatividade para segundo plano dentro da publicidade, haverá sempre um criativo que terá uma ideia genial para provar que o que realmente interessa na publicidade ainda é ter uma boa ideia.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Publicitários: de pianistas de bordel a homens de negócios
{{ noCommentsLabel }}