Que futuro perante as alterações propostas ao EOA e à Lei dos Atos Próprios?

  • Camila Azevedo Cândido e Susana Rodrigues Ferrão
  • 9 Fevereiro 2024

Aligeirar o regime de acesso ao direito e à justiça, nos termos propostos pelo Governo, poderá constituir uma falácia com graves repercussões nos direitos e garantias de todos os cidadãos.

No passado mês de dezembro, o Presidente da República vetou, entre outros, dois decretos da Assembleia da República que alteram o Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), atualmente em vigor por via da Lei n.º 145/2015 de 9 de setembro, e a Lei dos Atos Próprios dos Advogados e Solicitadores (Lei n.º 49/2004, de 24 de agosto), cuja nova versão proposta pelo Governo deveria ter entrado em vigor a 1 de janeiro de 2024.

Perante um clima de crítica e forte polémica em torno das alterações propostas pelo Governo aos estatutos de diversas Ordens profissionais, as quais teriam por objetivo a adaptação dos requisitos de acesso e exercício de profissões autorreguladas ao novo regime jurídico de criação, organização e funcionamento das Associações Públicas Profissionais, e cujo pano de fundo assenta na concretização de metas previstas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), e no correspondente desbloqueio de fundos comunitários, o Presidente da República devolveu os referidos diplomas ao Parlamento para reapreciação.

Concretamente no que respeita às alterações propostas ao EOA, sublinhou o Presidente da República os principais aspetos que, no seu entendimento, colocariam em causa a dignidade e o interesse público da profissão, entre os quais a redução do tempo de estágio para um período máximo de 12 meses, e a fixação de uma remuneração mínima garantida em valor não inferior à remuneração mínima mensal garantida acrescida de 25 % do seu montante, sem que se preveja um mecanismo de cofinanciamento público, podendo, no limite, constituir uma barreira no acesso à profissão.

Por outro lado, e no que concerne às alterações propostas à Lei dos Atos Próprios, salientou, ainda, na fundamentação do veto, a insustentabilidade do alargamento de determinados atos a um conjunto de outros profissionais, designadamente a consulta jurídica, a elaboração de contratos e a negociação de créditos, sem que esteja assegurada a necessária formação técnica e o cumprimento das regras deontológicas pelos profissionais envolvidos, colocando, assim, em causa os direitos dos cidadãos no acesso ao direito e à justiça.

De facto, e não se questionando a bondade de algumas das propostas apresentadas, designadamente da remuneração aos estagiários em contrapartida do trabalho efetivamente prestado, não se pode deixar de perfilhar os fundamentos apresentados pelo Presidente da República nas declarações de veto aos referidos diplomas, e bem assim na posição assumida, em particular, pela Ordem dos Advogados.

Na verdade, independentemente das pontuais críticas que têm sido dirigidas à OA relativamente ao tratamento de algumas matérias, parece-nos evidente que a sua atuação, face às referidas propostas de lei, foi, neste caso, fundamental para a manutenção das garantias mínimas de acesso e exercício da profissão, a qual exige, como se sabe, conhecimentos teórico-práticos abrangentes, não se compaginando com a ligeireza das alterações propostas.

De facto, numa altura em que se multiplicam os casos relacionados com a prática de procuradoria ilícita, ou mesmo de fraudes ou burlas praticadas a pretexto do exercício da advocacia (muitas delas associadas ao acionamento dos contratos de seguro celebrados pela Ordem dos Advogados, com vista à salvaguarda de erros e omissões profissionais que possam ser incorridas pelos seus membros – advogados com inscrição em vigor), aligeirar o regime de acesso ao direito e à justiça, nos termos propostos pelo Governo, poderá constituir uma falácia com graves repercussões nos direitos e garantias de todos os cidadãos.

Aguardemos, agora, por aquilo que o novo ano nos reserva.

(Nota: O artigo foi escrito pelas autoras antes da votação)

  • Camila Azevedo Cândido
  • Sócia contratada da SPS Advogados
  • Susana Rodrigues Ferrão
  • Sócia contratada da SPS Advogados

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