Relatório kibutz

Seja com dois “estados etnicamente puros”, seja na construção de uma barreira de protecção entre a exclusão e o apartheid, existe sempre o sonho da segurança num kibutz perfeito para além do céu.

Todos têm uma opinião sobre Israel e a Palestina. Todos têm complexos de esquerda e reflexos de direita sobre Israel e a Palestina. Todos sabem qual é o lado correcto da história. Todos sabem qual é o lado errado da política. Mas ninguém sabe responder se é melhor um fim terrível ou um terror sem fim. Entretanto a morte passeia a sua lei em plena Terra Santa.

Israel é uma espécie de utopia sionista. O lugar neste mundo onde os judeus podem viver em maioria e em segurança. Só que a utopia sionista é um estado no interior de um círculo infernal, sem a geografia privilegiada das grandes utopias – uma ilha politicamente perfeita no meio de um oceano pacífico. Israel é um estado formado por ideias ocidentais e hebraicas cercadas pela realidade dispersa de uma Palestina islâmica e árabe.

Podem fazer-se todas as considerações geopolíticas e todas as manifestações políticas nas ruas das grandes cidades do Mundo. Israel e a Palestina estão ligados por um “pacto de ódio” em que se vive para se poder morrer e onde se morre para se poder viver de novo. Israel e a Palestina são como espelhos em que se podem ver os rostos dos que vão ser mortos pelo último sobrevivente na última defesa da alma. O sonho do kibutz foi destruído pela lógica da aniquilação e ficou apenas uma assinatura de sangue no ar que se respira. O trauma de Israel já está escrito na história de Israel.

Num território que não conhece uma “fronteira final”, que não conhece uma “fronteira estável”, em que direcção está a segurança? O preço da segurança é a vigilância constante. E a vigilância constante é sempre uma prisão.

A Palestina é uma distopia árabe. A Palestina é o lugar de todos os palestinianos que não têm lugar no Mundo. Numa lógica perversa, os palestinianos são uma espécie de “judeus árabes” que o mundo árabe dispensa e despreza. Abandonados entre Israel e a Nação Árabe, os palestinianos são apátridas na terra onde nasceram. Apátridas vítimas da demência suicida do Hamas.

No kibutz onde se vive e onde se morre, a violência dispensada representa o pior do “anti-semitismo genocida” em que a solução para o problema da Palestina é o extermínio de todos os judeus. A Europa já teve a sua experiência com a “Solução Final” e a versão alemã de um “anti-semitismo abolicionista” que terminou na experiência traumática dos campos de extermínio e no Holocausto.

O Hamas nega o Holocausto. O negacionismo do Hamas afirma que o Holocausto não passa de uma “conspiração sionista” para justificar a existência de Israel e a opressão do povo palestiniano. O negacionismo do Hamas será invadido nas ruas da poeira de Gaza. Não é um exercício de ficção quando se recorda a resistência dos judeus do ghetto de Varsóvia esmagada pela violência sem coração de uma Alemanha genocida. A memória do ghetto vive em cada soldado do IDF, tal como vive no coração da nação de Israel a presença dos reféns na Faixa de Gaza.

O Mundo é um lugar complexo e a História é um processo sem fim. Atrás dos tempos vêm outros tempos. E se a História não se repete, os excessos da política dos homens repete-se numa litania de excessos e de morte que fazem parte da nossa natureza cruel e imperfeita.

Israel e a Palestina estão ligados numa valsa da morte que persiste para além de qualquer bom senso ou moderação. Em certo sentido, partilham o destino de serem “vítimas históricas” de momentos distintos da História. Uma vítima que é vítima de outra vítima é parte de um romance. Um romance negro e vermelho de mortes.

Israel e a Palestina tocam-se num ponto improvável e comum. O que acontece às pessoas sem terra? Seja qual for a solução política concreta ou imaginada, o que se consegue preservar de cada povo? Leio algures que a realidade mais verdadeira se pode exprimir no modo como fazem a travessia de um lugar para outro. No final, são todos emigrantes e talvez “culturalmente assimilados”, em qualquer situação em que se encontrem na busca desesperada pela preservação de uma identidade. Esta é a continuidade mais profunda da vida de uma nação em exílio e simultaneamente em constante movimento.

Seja na solução de dois “estados etnicamente puros”, seja na construção de uma barreira de protecção entre a exclusão e o apartheid, existe sempre o sonho da segurança num kibutz perfeito para além do último céu.

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