República de Lisboa
A pergunta que se impõe é simples e directa – A República de Lisboa não é capaz de gerar uma candidatura independente?
A campanha eleitoral em Lisboa é de um tédio planetário. Os candidatos esquecem que a Câmara de Lisboa é o Ministério de Lisboa, a parcela informal de um Governo descentralizado. A capital do país é a capital da República, o cérebro compulsivo do Regime.
O Regime pode estar em coma por escassez de ideias, de gente, de coragem, mas o Ministério de Lisboa continua a ocupar a Praça do Município como um monumento aos cidadãos e à República. Os candidatos não têm a densidade política para perceber esta realidade e esta responsabilidade. Esquerda e direita acomodam-se em coligações oportunistas para efeitos da contabilidade eleitoral. PSD e PS reduzem a política à quadratura de um círculo cujo propósito exclusivo é pela negativa – Derrotar o outro lado. Ganhar sem mérito é tão mau como perder por mérito. E os candidatos têm feito o possível e o impossível para ganhar sem mérito. Lisboa tem dois políticos que são candidatos a perder as eleições por mérito.
Quanto ao discurso e às propostas estamos conversados em conferências sem casino. Lisboa é a habitação, a mobilidade, o lixo, a segurança, tudo o resto pertence à complexa paisagem de uma cidade que os candidatos ignoram porque não faz parte da rotina instrumental da política.
A candidata da esquerda vai à retrosaria da Baixa. O candidato da direita vai ao café do Bairro. A Baixa é um cenário pombalino e os Bairros apenas mantêm o nome. Os candidatos percorrem a cidade sem perceber que a grande questão das eleições repousa na identidade política, cívica, histórica da Lisboa pátria da República.
Uma cidade sem memória é uma cidade sem futuro e os candidatos conseguem transformar Lisboa num lugar fora do tempo. Na percepção exclusiva do presente, a política degrada a cidade à condição de um não-lugar – Lisboa deixou de ser uma cidade a que se pertence para adoptar o estatuto menor de um lugar de passagem para efeitos de cobrança da taxa turística. Lisboa pertence a um mundo da imaginação que o curto braço da política não consegue alcançar.
O actual Presidente da Câmara e candidato tem a visão calibrada pela tecnocracia paralisante de um engenheiro. Mais técnico e menos político, a sua visão da cidade é uma espécie de programa de melhoramentos materiais sem os respectivos melhoramentos. Fala-se de investimentos estruturantes, fala-se de uma cidade em movimento, mas Lisboa continua estagnada num círculo vicioso entre a hesitação e a obra.
A Lisboa vista da Câmara Municipal é um agregado de edifícios e de ruas que aleatoriamente completam a cidade. A cidade do Presidente da Câmara não tem profundidade histórica, não tem identidade política, não tem a densidade da cidade branca quando o sol invade todas as coisas. O Presidente é em cada discurso público uma vítima da cidade, nunca o responsável por Lisboa. Sendo um “moderado radical”, Moedas ocupa a Praça do Município e sonha com o Palácio de São Bento. O Presidente candidato não tem uma “política de património” porque esta está simplesmente entregue ao mercado. Quando os conventos de Lisboa se transformam em hotéis é a identidade da cidade que é retirada da circulação da República.
A candidata da coligação de esquerda tem a visão calibrada pela aridez formal da técnica jurídica. Mais política e menos técnica, a sua visão da cidade é uma espécie de proposta de revisão da constituição da cidade com base na superioridade moral da esquerda progressista sem o respectivo progresso. Fala-se de um novo impulso, fala-se de uma consciência social, mas Lisboa continua estagnada no círculo vicioso entre a herança socialista e o futuro socialista.
A Lisboa da candidata ainda é uma colecção de dossiers repletos de ideias feitas, preconceitos originais, novas políticas públicas que não são novas. A cidade de esquerda não tem profundidade histórica, não tem identidade política, não tem a densidade da cidade branca quando o sol invade todas as coisas. Sendo uma “radical moderada”, Leitão observa a Praça do Município e sonha com o Palácio de São Bento. A candidata da esquerda não tem uma “política de gosto” porque esta está simplesmente abandonada à circulação periférica de um ego político que não se identifica com a cidade. Quando as praças de Lisboa se transformam no lugar dos sem-abrigo é a identidade da cidade a funcionar como testemunha da falência ética da República.
Lisboa está entregue às emoções da política à superfície. Lisboa está entregue a uma competição entre a vaidade sem carisma e o carisma com vaidade. Lisboa está cercada pela melancolia da “balada do país que dói” e a euforia dos sons da “bela ciao”. Lisboa está entregue à preguiça sinfónica dos partidos. Vai Lisboa resignar-se ou resistir?
Na sequência, a pergunta que se impõe é simples e directa – A República de Lisboa não é capaz de gerar uma candidatura independente?
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