
Resiliência das Seguradoras: Tensões geopolíticas e Desafios climáticos
Helena Chaves Anjos analisa o ambiente em que se movem as seguradoras perante choques inflacionários, oscilações das taxas de juro e uma crescente volatilidade dos mercados financeiros.
No contexto de agravamento das tensões geopolíticas, de referir recomendações do supervisor Europeu do setor segurador. Nomeadamente no âmbito do exercício de esforço realizado pelo setor, em 20241 que permitiu avaliar a capacidade das seguradoras europeias de responder a cenários adversos, com um foco particular no agravamento das tensões geopolíticas e nos seus impactos económicos.
Os resultados demonstraram que, apesar da resiliência do setor, ainda persistem desafios significativos na modelização e no reporte de riscos financeiros, exigindo uma evolução das metodologias atuais. De acordo com o cenário de tensões geopolíticas o supervisor veio reforçar as suas recomendações no final de fevereiro 2025. O teste de esforço considerou um cenário adverso, de potenciais consequências económicas de uma intensificação ou prolongamento das tensões geopolíticas, resultando num choque inflacionista, aumento moderado das taxas de juro a longo prazo e uma significativa reavaliação do risco de mercado.
A combinação de choques específicos do setor segurador, como o resgate em massa de apólices e inflação social nos sinistros, foi igualmente considerada. As componentes de avaliação de capital e liquidez foram realizadas separadamente, mas com um conjunto comum de cenários e choques prescritos.
Embora o setor segurador europeu tenha demonstrado estar bem capitalizado e com ativos líquidos adequados, foram identificadas dificuldades em algumas áreas de modelagem e relatórios, especialmente na abordagem de “look-through” e nos modelos de portfolios unit-linked e index-linked.
Desafio de Robustez nos Modelos de Risco
As seguradoras enfrentam um ambiente macroeconómico complexo, caracterizado por choques inflacionários, oscilações das taxas de juro e uma crescente volatilidade dos mercados financeiros. O teste de esforço realizado confirmou a importância de aprofundar e melhorar a capacidade do setor para lidar com estas pressões externas e choques exógenos. Em particular, abordagens transparentes na avaliação de ativos e a modelização de carteiras de produtos indexados, revelaram limitações a serem corrigidas.
A EIOPA recomendou que as seguradoras reforcem os seus mecanismos de reporte e melhorem a sua capacidade de medir os impactos marginais de choques específicos nas provisões técnicas, como a reavaliação do risco de mercado e a ocorrência de resgates massivos das carteiras, no excesso de ativos sobre passivos e fundos próprios. A liquidez mantém-se como um fator crítico, sendo essencial que o setor implemente estratégias mais eficazes na modelização e monitorização dos fluxos financeiros, como a reposição de margem.
Supervisão e Harmonização Regulatória
A consistência regulatória é um dos pilares-chave para garantir a estabilidade financeira do setor segurador europeu. A Declaração de Supervisão da EIOPA sobre a dedução de dividendos na Solvência II, publicada no final de fevereiro de 20252, destaca a necessidade de um tratamento uniforme para os dividendos previsíveis nos fundos próprios. A harmonização desta abordagem prospetiva é essencial para evitar disparidades na aplicação das regras prudenciais e reforçar a confiança dos investidores no setor segurador.
A discussão no que respeita à dedução de dividendos evidencia igualmente a necessidade de um equilíbrio entre estabilidade financeira e investimentos do setor segurador. A retenção de capital é fundamental para absorver choques, contudo, a previsibilidade e a transparência na aplicação dos resultados e distribuições de dividendos são fundamentais para manter a confiança dos investidores e do mercado.
Os Seguros na Adaptação Climática
A crescente exposição aos riscos climáticos é um dos desafios principais para o setor segurador atualmente. O novo Boletim Económico do BCE, publicado em fevereiro de 20253, analisou o impacto económico das
inundações na Europa, destacando o papel crucial dos seguros na resiliência das regiões afetadas.
Os estudos demonstram que regiões com maior taxa de cobertura de seguros conseguem recuperar mais rapidamente de desastres naturais, enquanto economias com baixa penetração seguradora sofrem efeitos prolongados. Contudo, apenas 1/4 dos danos climáticos na Europa estão atualmente cobertos por seguros, sendo urgente expandir as soluções de proteção financeira para mitigar os impactos destes eventos extremos.
- Nos últimos anos, assistiu-se a várias inundações devastadoras na União Europeia, incluindo na Bélgica e na Alemanha em 2021, na Eslovénia em 2023 e em Valência em 2024. Com as alterações climáticas a aumentar a frequência e intensidade destes fenómenos, é essencial compreender os seus efeitos de longo prazo nas regiões afetadas;
- Os impactos são diversos e dependem da região, como mencionado noutro estudo desta mesma instituição. As regiões de elevado rendimento conseguem, em média, recuperar e reforçar a sua capacidade económica, registando maior atividade, mais capital e maior produtividade. No entanto, este padrão não é universal: nas regiões menos desenvolvidas, observa-se o efeito contrário, com menor atividade e produtividade. Valência, nesta classificação, é uma região de rendimento intermédio;
- É, por isso, fundamental analisar os fatores estruturais que contribuem para a resiliência e para a recuperação. Entre eles, destacam-se a adaptação ex ante, como infraestruturas de defesa contra cheias, os sistemas de alerta precoce, os mecanismos de seguro e a solidariedade nacional e europeia no apoio à reconstrução;
- Além disso, os impactos das inundações podem propagar-se a outras regiões através das cadeias de abastecimento, como demonstrado pelo estudo citado e colaboradores sobre a experiência belga.
Segundo os autores é urgente abandonar o termo “catástrofes naturais”
A localização da atividade económica em áreas vulneráveis é uma escolha humana, não natural. A ausência de medidas adequadas de adaptação é uma escolha humana. A adaptação permite reduzir os impactos sociais e económicos, atenuando conceito de fatalidade das catástrofes. A destruição de zonas húmidas e planícies de inundação, proteção natural contra cheias, é uma opção. Continuar a emitir carbono, contribuindo para inundações mais frequentes, é também uma opção humana.
A propagação dos riscos climáticos na economia e no setor financeiro pode ser analisada através de cenários, que permitem quantificar os impactos das combinações de riscos físicos e de transição nos setores financeiros. A elevada incerteza, complexidade nos mecanismos de transmissão, dependência das políticas económicas e horizontes temporais tornam essencial o uso de cenários para avaliar esses impactos.
Nesse sentido, os supervisores têm trabalhado em conjunto para desenvolver mecanismos de partilha de risco que reforcem a oferta de seguros contra riscos climáticos, promovendo uma maior integração entre estruturas nacionais e europeias. A inovação financeira, contudo da parte do mercado, aliada a quadros regulatórios mais flexíveis, poderá desempenhar um papel determinante na viabilização destas soluções.
Um Setor Segurador Mais Resiliente
Os desafios identificados pelo teste de resiliência, no contexto atual de tensões geopolíticas, evidenciam a necessidade de desenvolver modelos avançados de riscos macroeconómicos e financeiros, reforçar a supervisão regulatória e alargar a proteção contra riscos climáticos mais frequentes. O setor segurador, sendo um dos pilares da estabilidade económica, deve continuar a investir em soluções que assegurem a sua resiliência e relevância no contexto nacional, Europeu e global.
A adoção de estratégias mais sofisticadas de gestão de risco, o compromisso com a sustentabilidade financeira e a implementação de soluções inovadoras serão decisivos para enfrentar os desafios futuros. A Supervisão continuará a desempenhar um papel central nesta transformação, promovendo um setor mais preparado para lidar com as incertezas e garantir a proteção financeira das economias europeias.
1EIOPA, 2024 Insurance Stress Test Recommendations, 28 February 2025.
2EIOPA, Supervisory Statement on the deduction of foreseeable dividends from own funds under Solvency II, 20 February 2025.
3ECB, Economic Bulletin, Issue 1/2025 – The economic impact of floods, 13 February 2025.
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