Se isto não é um escândalo…

Num país que se levasse a sério esta dança de cadeiras entre a supervisão do Banco de Portugal e o sector privado seriam um escândalo e absolutamente impossíveis.

Quarta-feira

Luís Costa Ferreira tem uma carreira de duas décadas e meia feita essencialmente na supervisão bancária do Banco de Portugal (os vários cargos que desempenhou constam do seu perfil no Linkedin).

Em 2013 passou a liderar o respectivo departamento no banco central, posição que ocupava durante o complexo período da queda e aplicação da resolução ao Banco Espírito Santo.

Em Outubro de 2014 deixou o cargo de director da supervião prudencial – a que deve sobretudo preocupar-se com a solidez financeira dos bancos comerciais – porque aceitou o convite para “partner” – uma espécie de sócio/administrador – da PwC, uma das maiores empresas de auditoria, consultoria e fiscalidade, onde liderou a área de serviços financeiros. Consigo saiu também para a PwC o seu adjunto na supervisão do Banco de Portugal.

Agora, pouco mais de dois anos depois, Luís Costa Ferreira vai regressar ao banco central para liderar o mesmo Departamento de Supervisão Prudencial. O seu ex-adjunto no Banco de Portugal continua as suas funções na PwC.

A saída de Costa Ferreira do supervisor público para uma consultora e auditora privada já tinha sido polémica. Primeiro, pelas razões óbvias. Em funções públicas, um responsável pela supervisão bancária tem acesso a informação privilegiada de todos os bancos comerciais. Depois, a PwC foi a empresa escolhida, sem concurso público, para auditar o então criado Novo Banco, numa decisão tomada pelo Banco de Portugal.

Mas se esta saída directa do supervisor para uma auditora e consultora de bancos supervisionados já foi completamente desaconselhável e imprudente, o seu regresso ao cargo público torna-se inaceitável.

Nos dois anos na PwC Luís Costa Ferreira liderou a equipa que trabalhou com alguns bancos comerciais cliente da firma – onde constam, segundo a imprensa, a Caixa Geral de Depósitos, o Montepio, o BPI ou o Haitong Bank. E agora vai voltar a supervisioná-los.
Sim, é um escândalo. Ou melhor, num país que se levasse a sério estas coisas seriam um escândalo e absolutamente impossíveis.

Não estão em causa as qualidades profissionais, éticas e pessoais de Luís Costa Ferreira. Presumo que sejam as melhores.

Tal como não estão em causa os mesmos predicados de Carlos Albuquerque, que tem um trajecto simétrico do de Luís Costa Ferreira: no final de 2014 deixou o BCP para liderar a supervisão e agora sai para administrador da Caixa Geral de Depósitos depois de cumprir um período de nojo de seis meses.

O que está em causa, nestes como noutros casos, é a falta de respeito que o Banco de Portugal demonstra em relação a si próprio. A transparência, a ausência de conflitos de interesses e a ética têm que ser praticados activamente e não ficar sujeitos à interpretação e moral de cada um. Sabendo que não haverá nunca leis e regras e evitem todo e qualquer atropelo ético, aqui estamos a falar da completa ausência delas.

Esta dança de cadeiras entre supervisores e supervisionados ou consultores e auditores privados, pelo despudor, frequência e descaramento com que ocorrem, indiciam que permanecem bem vivos no Banco de Portugal a cultura e os tiques que contribuiram para uma parte do descalabro bancário da última década.

Primeiro, a ideia de que se trata de uma casta à parte, sobre a qual não há margem para dúvidas. E tratando-se de uma elite à prova de bala ética e profissional, dispensam-se de regras que estão reservadas para os comuns dos mortais.

Depois, a excessiva proximidade entre supervisores e supervisionados, que em vários episódios passados teve indícios de promiscuidade, em que foi o Banco de Portugal a temer os bancos comerciais e não o contrário.

Por fim, a absoluta falta de escrutínio e de avaliação sobre a actividade do banco central. É a enésima vez que estas coisas acontecem. É a enésima vez que se abre a boca de espanto mas nada acontece.

Certo, certo é que os bancos vão caindo uns atrás dos outros com danos económicos e sociais incalculáveis. Mas a porta giratória continua a funcionar na perfeição e muito bem oleada, como se vê.

Sexta-feira

Sempre às voltas com a banca, o Parlamento discute uma eventual nacionalização do Novo Banco. O Estado tem cerca de um quarto do mercado bancário com a Caixa Geral de Depósitos. Este banco vai receber cerca de 5 mil milhões para reforçar capitais. Não consta que o Estado tenha definido para a Caixa uma função diferente da da generalidade dos bancos comerciais. O Bloco de Esquerda e o PCP acabaram de travar um exercício mínimo de averiguação do que aconteceu no banco público há uma década, inviabilizando a audição de Armando Vara. No meio disto tudo qual é a prioridade destes partidos? Trazer para o Estado mais um banco.

Ainda sou do tempo em que estes partidos da esquerda denunciavam os abusos e imoralidades no sector financeiro e nas relações promíscuas entre negoócios públicos e privados. Agora já nem isso, como se vê. Nada como o bálsamo do poder.

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