Seguros catastróficos sob pressão em Espanha – alertas para Portugal

  • António Rito Batalha
  • 12:16

António Rito Batalha aconselha considerar a introdução de uma cobertura obrigatória para o risco sísmico nos seguros de património e que comece já, mesmo antes da cobertura de outras catástrofes.

O agravamento dos fenómenos meteorológicos extremos está a pressionar o sistema segurador em vários países, mas em Espanha o debate assume contornos particularmente relevantes devido à existência do “Consorcio de Compensación de Seguros” (CCS) — um mecanismo público que cobre danos causados por riscos extraordinários como sismos, inundações, tempestades, entre outros. Este modelo está agora no centro de uma discussão sobre a sua viabilidade futura face às alterações climáticas.

De acordo com um estudo da UNESPA1, em 2023, as seguradoras espanholas pagaram cerca de 847 milhões de euros em mais de 993.000 sinistros meteorológicos. A crescente frequência e intensidade destes eventos levou a propostas para ampliar o conceito de “risco extraordinário” coberto pelo CCS. Contudo, parte do setor ressegurador internacional (não ibérico) manifesta-se contra essa ampliação, argumentando que muitos destes riscos continuam a ser transferíveis para o mercado privado. Para esses operadores, um alargamento do CCS significaria um avanço da intervenção pública sobre um espaço que é da responsabilidade do mercado.

Importa destacar que o CCS é uma exceção no contexto europeu. Quando Espanha aderiu à Comunidade Económica Europeia (CEE), a estrutura e funções do CCS foram objeto de intensas negociações. O seu modelo de cobertura obrigatória de riscos extraordinários e o seu papel na liquidação de seguradoras eram considerados incompatíveis com os princípios de livre circulação de bens, serviços e capitais promovidos pela CEE. A sua manutenção foi autorizada como uma exceção negociada, com a condição de ajustes que garantissem a sua integração no espírito do mercado único europeu. É, por isso, um caso único tolerado mais por razões históricas do que por alinhamento com os princípios da União.

Em Portugal, o risco mais exposto é o sísmico

A realidade portuguesa é distinta. Não existe um mecanismo público semelhante ao CCS, e a proteção contra eventos catastróficos depende, na maioria dos casos, da contratação voluntária de seguros multirriscos. Contudo, há um aspeto particularmente preocupante: o risco sísmico. Ao contrário de fenómenos como incêndios ou inundações, frequentemente incluídos nas apólices de seguro patrimonial, o risco de sismo continua a ser coberto apenas se o segurado o contratar explicitamente. O seu custo elevado e caráter não obrigatório tornam-no o risco mais perigosamente exposto do território nacional, sobretudo nas zonas urbanas densamente povoadas como a grande Lisboa e o Algarve.

É precisamente por isso que qualquer solução público-privada de cobertura catastrófica, a considerar em Portugal, deveria concentrar-se no risco sísmico e evitar ambições mais abrangentes (pelo menos ao início).

  • O caso espanhol dá um aviso claro: após a tempestade/inundações de Valência de 20242, com um custo total estimado de 4.500 milhões de euros (valores a Junho de 2025), estima-se que o CCS só teria capacidade financeira para enfrentar mais dois eventos de dimensão semelhante;
  • Um estudo divulgado a 25-6-2025 pelo jornal “El País”3 refere que a repetição do terramoto de Torrevieja (Espanha) ocorrido em 1829 (magnitude 6,6 Mw), poderia causar atualmente 11.000 mortos e perdas económicas de 100.000 milhões de euros. O cenário torna-se especialmente grave se o evento ocorrer no verão, período de máxima ocupação turística, agravado pela forte expansão urbana registada na costa mediterrânica nas últimas décadas.
  • Ou seja, quanto mais ampla for a cobertura assumida por um esquema público-privado, maior o risco de rápida descapitalização. A ideia de “cobrir tudo” é sedutora, mas perigosamente insustentável. Em matéria de seguros catastróficos, tentar ser ótimo pode sair demasiado caro — e deixar-nos, no fim, desprotegidos.

Dado o elevado grau de exposição sísmica de várias zonas do país, a experiencia do terramoto de Lisboa de 1755 que os geólogos alertam que voltará a ocorrer (magnitude 8.7 a 9 Mw), tem sentido considerar a introdução de uma cobertura obrigatória para o risco sísmico nos seguros de património em Portugal, conforme proposta da APS.

Compreende-se que qualquer medida desse tipo levante preocupações legítimas num contexto de dificuldades económicas. Ainda assim, os potenciais impactos de um grande sismo, sem uma rede mínima de proteção financeira, seriam de tal ordem que justificam encontrar um equilíbrio possível que mitigue os riscos coletivos sem comprometer a sustentabilidade individual.

  1. https://www.unespa.es/notasdeprensa/seguro-paga-847-millones-siniestros-climaticos-2023/
  2. https://www.consorseguros.es/documents/10184/121530/VIGESIMA_nota_informativa_DANA_DEFINITIVA.pdf/cbe2d02f-befb-dd1d-913f-b18ef3695815?t=1750153510860
  3. https://elpais.com/ciencia/2025-06-25/un-terremoto-como-el-de-torrevieja-en-1829-causaria-miles-de-muertos-por-la-masificacion-turistica.html

 

  • António Rito Batalha
  • Senior Client Manager Reinsurance & Insurance

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