TAP e o Crivo da Concorrência no Atlântico Norte

  • Pedro Castro
  • 9 Dezembro 2025

O Estado português, enquanto vendedor da TAP, tem por isso a responsabilidade de se antecipar às conclusões previsíveis que virão desta avaliação prévia que irá escrutinar os efeitos no mercado.

O jornal ECO avançou, em exclusivo, que o Grupo Lufthansa pretende incluir na sua proposta para a aquisição da TAP a integração da transportadora portuguesa na parceria transatlântica do grupo que hoje junta também a United Airlines e a Air Canada. Esta ambição, ainda que estando alinhada com a prática do setor, deve sobretudo ser analisada à luz das entidades que terão, de facto, a palavra final sobre a aprovação (ou não) desse negócio, ou seja, as Autoridades da Concorrência de Bruxelas, Washington e Ottawa. Importa perceber que este tipo de parcerias integradas para o Atlântico existem em todos os grupos interessados na compra da TAP e a incorporação da TAP em cada uma delas será uma consequência lógica da própria venda. Assim, esta proposta da Lufthansa não é um elemento diferenciador, mas sim um denominador comum aos três grupos que, à semelhança de outros casos, terá de ser avaliado previamente por múltiplas Autoridades da Concorrência com base em critérios jurídico-económicos conhecidos e dos quais decorrerá a aplicação de remédios, restrições ou mesmo proibições na avaliação do caso concreto da proposta vinculativa. O Estado português, enquanto vendedor da TAP, tem por isso a responsabilidade de se antecipar às conclusões previsíveis que virão desta avaliação prévia que irá escrutinar os efeitos no mercado, incluindo os desta parceria integrada sobre o Atlântico Norte. Para isso, as Autoridades irão considerar:

  • a posição consolidada resultante da combinação da TAP com o grupo comprador;
  • o nível de congestionamento do aeroporto de Lisboa e a impossibilidade prática de entrada de novos concorrentes nas rotas mais afetadas pela consolidação da oferta;
  • a eventual necessidade de remédios estruturais e comportamentais derivados da consolidação prevista.

O congestionamento do Aeroporto da Portela terá um peso determinante porque a impossibilidade de alocação de faixas horárias (“slots”) para permitir a entrada de novos operadores no eixo transatlântico é um elemento crítico. A este propósito, a companhia norte-americana JetBlue ameaçou o Estado português com um processo judicial pela impossibilidade de obter “slots” adequados em Lisboa; já a canadiana WestJet aceitou horários não competitivos para a nova rota Lisboa-Halifax. Esta situação remete-nos para a decisão inédita do Departamente de Transporte dos EUA que recentemente revogou a autorização dada à parceria integrada do mesmo estilo entre a Delta e a Aeromexico no tráfego para o México devido à impossibilidade de acesso pela concorrência ao saturado Aeroporto Internacional da Cidade do México. Tanto a administração Biden como a de Trump foram unânimes na reavaliação do impacto anticoncorrencial desta parceria que, embora aprovada no passado, se tornou incompatível com a realidade de um aeroporto que, na prática, bloqueia a concorrência. Do ponto de vista financeiro-económico, este tipo de parcerias ou “Joint Ventures” têm um grau de integração tal que operam como uma única companhia. A aeronave pode até ter o desenho da United ou da TAP, mas financeiramente, comercialmente e na definição de preços e oferta, o nível de coordenação assemelha-se ao de um operador único. É justamente esta integração tão profunda que desencadeia o maior escrutínio das autoridades e por isso importa, desde já, perceber como é que elas irão olhar o dossier da TAP sob este ângulo da parceria para os Estados Unidos. Com base nos dados Cirium para o período de 29 de março a 24 de outubro 2026 (Verão IATA), analisam-se dois critérios determinantes no tráfego Portugal-EUA:

  • número de voos diretos (e, portanto, de slots ocupados nos aeroportos);
  • número de lugares disponíveis (indicador da capacidade de dominar preços e oferta).

O resultado desta avaliação dá um claro sinal de alarme para uma eventual combinação TAP + United promovida pelo Grupo Lufthansa uma vez que 73,6% dos atuais “slots” dedicados a voos diretos entre Portugal e Estados Unidos ficariam neste agrupamento, representando 72,4% dos lugares existentes em voos diretos. Objetivamente, estamos perante uma posição dominante quase incontestável que se alarga também aos voos diretos para o Canadá devido à presença da Air Canada nesta “Joint Venture”. Para este outro destino da América do Norte, a combinação da TAP e Air Canadá ficaria ligeiramente abaixo da barreira psicológica dos 50% de mercado, mas os valores de 49,1% dos slots e de 49,6% dos lugares não tranquilizariam nenhuma autoridade.

A verdade é que nenhuma combinação da TAP e das “Joint Ventures” dos outros grupos interessados na reprivatização é, de um ponto de vista das autoridades, tranquilizante devido à posição dominante da TAP per se neste eixo – com a concentração de praticamente todas as rotas no aeroporto de Lisboa – mas a opção de aquisição pela IAG é aquela que tem menor impacto em qualquer das métricas, uma vez que a parceira americana nessa Joint Venture (a American Airlines) opera uma única rota para Portugal sem sobreposição com a TAP e que é Lisboa-Filadélfia. A combinação TAP + American Airlines resulta, por isso, numa concentração de “apenas” 56,6% dos slots de voos diretos que representam 56,9% dos lugares. Já a combinação TAP+Delta do grupo Air France-KLM está num cenário intermédio com o controlo de 64,4% dos slots de voos diretos aos quais corrrespondem 66,3% dos lugares disponíveis entre Portugal e EUA.

Com base nestes elementos e na escassez de “slots” na Portela, é evidente que qualquer grupo concorrente ou companhia individual terá motivos para contestar, em Washington, Bruxelas ou Ottawa, uma aliança United–TAP, apresentando argumentos fortes para a imposição de remédios significativos e potencialmente devastadores que reduzirão de imediato as sinergias que o Grupo Lufthansa apresenta hoje como “trunfo” da sua proposta para a TAP. E é justamente aqui que reside o outro ponto crítico: num negócio internacional multijurisdicional, onde o corredor Atlântico Norte é regulado pelos mais exigentes reguladores do mundo, o Estado português não pode negociar às cegas. O custo de escolher o grupo que terá maiores entraves concorrenciais será pago inevitavelmente pelo vendedor. Se o Estado português escolher a proposta vinculativa que enfrentará o maior escrutínio e os remédios mais pesados na avaliação posterior que será feita pelas Autoridades da Concorrência, o preço final da proposta será revisto em baixa antes da assinatura final do contrato de compra e venda porque cada um desses remédios terá um custo evidente e calculável.
Em Direito, a ignorância nunca é desculpa, o que significa que, no final, as autoridades da concorrência não vão corrigir decisões políticas, apenas vão revelar os seus erros.

  • Pedro Castro
  • Consultor em aviação e docente em sistema de transportes

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