Task Force Trump
Na lógica implacável de Trump, o mercado e a manipulação do mercado, a subversão e a substituição das regras da democracia liberal, são a marca de uma visão do Mundo.
Em Trump não há sentido de humor nem ironia. O humor é uma característica de quem pensa criticamente. A ironia é a inteligência de que tem o sentido do ridículo. Em Trump tudo é literal, lateral, excessivo, expansivo. A ideia de que a política são os nossos pensamentos mais o lugar dos outros é uma extravagância dos fracos. A imaginação de Trump arrasta uma dimensão total.
O pensamento de Trump escorre uma visão total. Eleito democraticamente pela América profunda, Trump é a representação de uma concepção totalitária da política que promete revolucionar os mecanismos da maior democracia liberal. Uma revolução na América que promete uma revolução no Mundo. Durante algumas décadas o Mundo acreditou que o Fim da História representava a Grande Planície Liberal. A Grande Planície Liberal é uma Reserva do Jurássico e o futuro é o Regresso da História.
O Regresso da História com o peso dos Novos Tempos em que a política não tem ligação com a realidade, mas inventa uma outra realidade absurda, grotesca, cruel, onde a mentira e a falsidade dominam o Mundo pós-verdade e a política afunda-se num cenário de ficção. Face à ditadura dos factos sobrepõe-se a liberdade das narrativas. O Poder justifica a violência e o Império justifica a política. Na lógica de Trump o Império é a última ideologia. A aquisição de novos territórios representa a aquisição de poder, poder que com a incorporação do trabalho se transforma em riqueza. É o regresso da clássica trilogia imperial sem a erradicação dos “pilares da vergonha”. Canadá, Gronelândia, Panamá. Cecil B. Rhodes, o grande imperialista britânico, afirmava que se pudesse “anexava todo o Planeta”. No planisfério de Trump o Planeta é o destino da América.
A dominação total de Trump em formato “Washingtonspeak” é um ataque ao espírito livre, uma ameaça à inteligência independente, uma eliminação da espontaneidade, uma ruptura entre a continuidade política e a pluralidade das sociedades contemporâneas. Existem elementos no discurso político de Trump que incluem uma dimensão de desumanização, uma dimensão em que é preponderante a definição de vidas e de existências reais essencialmente supérfluas à grande economia do Império. Entre as teorias da conspiração associadas à lógica compulsiva da acumulação infinita de poder como finalidade da política, existe nestes primeiros momentos de Trump a necessidade de criar inimigos e a lógica impenitente de administrar as pessoas como expressões de uma ameaça política. No novel universo totalitário de Trump só existe a absoluta concentração de poder e a absoluta concentração de impotência.
Trump transporta o desprezo cínico pela política, a ideia de que a política é um elemento subsidiário à economia e neste sentido é um supremacista económico. Na sua concepção total de uma perspectiva extractivista e transacional, propõe o avanço do Estado numa espécie de tecno-feudalismo. O tecno-feudalismo tem como lógica dominante a exploração persistente do outsourcing não como factor de redução da Administração, mas como instrumento para uma nova formulação pós-moderna de um regime totalitário. O algoritmo controla o processo político e garante a conformidade. A conformidade que se exprime numa câmara de eco onde o fantástico misterioso se transforma no “Mundo Espelho” de todas as alienações. Na lógica implacável de Trump, o mercado e a manipulação do mercado, a subversão e a substituição das regras da democracia liberal, são a marca de uma visão do Mundo em que o mercado invade e controla a política e o Estado. Assim se liberta a grande força do progresso e da riqueza. Assim se definem os winners e os losers.
A democracia liberal acaba por criar um vazio que não é compatível com a liberdade. O recuo do Estado, as tensões sociais, a morte das grandes ideologias, a erosão das grandes ideias, o declínio dos grandes partidos clássicos e moderados à esquerda e à direita, o internacionalismo da ameaça das grandes migrações, deixa apenas espaço para a expressão das posições politicamente extremas e socialmente implacáveis. Os indivíduos que não suportam viver neste Mundo fogem da realidade para serem manipulados pela alienação dos algoritmos que inventam um universo espelho que representa o Mundo pós-realidade. O Mundo pós-realidade é o regresso dos Impérios – América, China, Rússia. A escala imperial não é o Jardim de Pangloss, mas a anulação persistente da sensibilidade.
Começo em Washington e acabo em Moscovo. Leio algures que uma activista das Pussy Riot tenta escapar da prisão domiciliária disfarçada de estafeta. Foi interceptada pela polícia e devolvida à prisão. Na mochila três itens em destaque – um ratinho de companhia, uma PlayStation, uma cópia das “Origens do Totalitarismo” de Hannah Arendt. O livro como Manual de Instruções para o Novo Mundo.
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