Trabalho extra: uma tendência ou uma estratégia?

  • Lúcia Pereira
  • 17 Setembro 2025

Cada vez mais profissionais optam por manter, além do trabalho principal, um projeto paralelo que lhes permite desenvolver competências, explorar interesses e afirmar a sua identidade profissional.

Durante décadas, o trabalho extra foi encarado sobretudo como uma solução de curto prazo para uma necessidade financeira. Mas esse paradigma está a mudar e a mudar depressa. Cada vez mais profissionais optam por manter, além do seu trabalho principal, um projeto paralelo que lhes permite desenvolver competências, explorar interesses e afirmar a sua identidade profissional de forma mais autónoma. Este fenómeno não é apenas geracional, é estrutural. E está a redesenhar silenciosamente o modo como olhamos para as carreiras.

Vivemos num contexto de constante requalificação, em que a adaptabilidade, a aprendizagem contínua e a diferenciação se tornaram requisitos transversais a praticamente todos os setores. Neste cenário, os projetos paralelos, sejam eles uma colaboração freelance, um pequeno negócio próprio ou até um blog técnico, deixaram de ser vistos como distrativos. Pelo contrário: são hoje encarados por muitos recrutadores e gestores como sinais claros de iniciativa, curiosidade e proatividade.

Este movimento estende-se a perfis seniores, a profissionais em fase de reorientação, a pessoas que procuram novas formas de equilibrar ambição, propósito e liberdade. E começa a ser valorizado não só pelos próprios, mas também pelas empresas. Ter um colaborador com um projeto pessoal ativo pode ser sinal de dinamismo, compromisso com a aprendizagem e até resiliência. Desde que exista equilíbrio, o trabalho extra pode, paradoxalmente, tornar-se numa mais-valia para todas as partes.

Contudo, por detrás desta mudança de mentalidade está um novo entendimento sobre o papel do trabalho: já não se trata apenas de cumprir uma função, mas de construir um percurso com significado. O trabalho extra oferece precisamente isso, a oportunidade de experimentar, de testar competências fora do “manual” da função atual, de aprender com o erro e de encontrar realização pessoal num espaço de maior liberdade criativa.

Neste sentido, os projetos paralelos permitem arriscar em áreas criativas, tecnológicas, empreendedoras ou sociais, sem o peso da estrutura tradicional. Tornam possível explorar modelos de negócio, ganhar literacia digital, cultivar uma voz própria. E tudo isto acontece, muitas vezes, de forma complementar à função principal.

Naturalmente, esta tendência não é isenta de desafios. A gestão do tempo e a saúde mental são preocupações legítimas, especialmente quando a linha entre vida pessoal e profissional já se encontra esbatida. Mas isso não invalida o seu valor transformador. Aliás, em muitos casos, é precisamente esse espaço paralelo que alimenta a motivação e a energia com que se encara o trabalho principal.

Estamos, por isso, perante uma mudança estrutural na forma como as pessoas gerem a sua carreira: uma lógica menos linear e mais híbrida, onde o desenvolvimento profissional acontece dentro e fora da estrutura formal da empresa. Plataformas digitais, modelos de trabalho flexíveis e um mercado sedento de talento multidisciplinar tornam este caminho não só possível, mas desejável.

Vivemos um tempo em que a carreira já não se define apenas pelos marcos formais, promoções, títulos, anos de experiência, mas pelas histórias que se vão acumulando ao longo do percurso. O portefólio de um profissional já não cabe num CV tradicional. Estende-se ao que cria, ao que ensina, ao que partilha, ao que testa. E é nesse ecossistema paralelo que muitos encontram espaço para crescer de forma mais autêntica.

A pergunta deixa, assim, de ser “trabalho extra: sim ou não?”, para passar a ser “como é que o integras de forma estratégica e saudável no teu percurso?”. Os profissionais que conseguirem responder a esta questão, e agir sobre ela, terão uma vantagem clara num mercado em permanente transformação.

Porque o futuro profissional já não se constrói apenas no papel que ocupamos hoje. Constrói-se em cada projeto, em cada risco calculado, em cada desafio aceite fora do guião. É nesse espaço de crescimento que muitos estão a descobrir o seu verdadeiro potencial.

  • Lúcia Pereira
  • Diretora de marketing da Adecco Portugal

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