Trump traz a ética do motel para a pornografia em que está transformada a política na América.

Trump afirma que levou um tiro pela democracia. Só que a carreira política de Trump é uma barragem de artilharia sobre a democracia na América. Desde logo pelo estilo que toma a discussão política como a variante de uma guerra civil. Nos seus discursos só existe desprezo, ódio, divisão.

A ironia política é uma forma de ridicularizar os adversários políticos. O humor político é um modo de humilhar os seus inimigos políticos. O discurso político é sempre um assassinato simbólico cometido no meio de um comício transformado em circo da democracia. A América é uma nação única, a América é a cidade brilhante na colina, a América é o labirinto escuro das ruas sem nome, a América é uma novela gráfica em que Trump é uma personagem entre a realidade e a ficção. Tentaram assassinar o político Trump e mataram a caricatura de Trump. Na América o nome das porn-stars confunde-se quase sempre com o nome de um motel junto a uma auto-estrada nas circulares de Los Angeles. Trump traz a ética do motel para a pornografia em que está transformada a política na América.

Trump é o decano de uma América que sempre existiu. A América isolacionista, a América intervencionista na definição de uma identidade continental, a América que vive o sonho americano como uma dádiva divina, a América delimitada entre a Bible Belt e a Rust Belt, a América de Deus e a América da Indústria criada pelo génio divino da Grande Nação e destruída pela aventura internacionalista da Globalização. Para Trump a América é o lugar no planeta onde se desenvolve toda a acção e onde se resolvem todos os destinos. Nos seus discursos Trump fala aos americanos e informa a Humanidade que a vida americana está no topo das prioridades.

Entre a América e o Mundo vai a distância entre o sublime e o sórdido, o espaço em que as palavras de Trump são o monólogo interior de uma América a conversar consigo mesma. E o espectáculo é o exercício do destino manifesto, lutador, conflituoso, violento. Mas neste destino manifesto sopra a marca do caos, rasga a alegoria sobre a queda da República, corre o reflexo da consciência do final de uma época na vida da nação, ergue-se a promessa redentora de um novo renascimento. Trump pode contemplar as estrelas em nome do sonho americano, mas sabe que as estrelas não fazem parte da sua jurisdição. A política de Trump é a causa dos grandes espaços de uma América interior e profunda. E de caminho imperial no domínio do Mundo.

Trump representa hoje uma ideia da América aditivada por anfetaminas contra a epidemia de opiáceos. Na política Trump é confrontado com alternativas, não escolhe nenhuma em particular, para poder optar por todas simultaneamente criando assim vários futuros que dão início a outros futuros que, por sua vez, se multiplicam e ramificam. O que é pérfido na política americana é que todos os futuros imaginados por Trump convergem em Trump. É o regresso à mitologia da América dos heróis. Trump é o herói que morre no capítulo 3 e continua vivo no capítulo 4. A América é a nação das nações, o alfa e o ómega, o princípio e o fim da civilização e Trump é o seu profeta.

Com Trump a América parece querer substituir o governo das leis pelo governo dos homens. Pelo governo de um homem -– Trump. A questão do regime constitucional da América está permanentemente no âmbito da acção, no âmbito da intenção, no espaço de actuação, de todas as iniciativas do ex-Presidente, do cidadão e do Candidato Trump. Não é a questão da imunidade que se coloca nem o problema dos limites da desobediência incivil, pois o que Trump representa é o princípio da impunidade alicerçado na auto-representação de uma ideia da América que está acima de todas as leis e de todos os procedimentos. A legitimidade de Trump é a representação de uma espécie de direito natural que se respira na nação americana. As eleições são invenções corruptas que atentam contra a virtude da América. Logo para que uma eleição possa ser considerada livre e justa o resultado tem de ser a vitória de Trump. Não existem eleições que possam ir contra a verdadeira virtude e consciência da América.

Com esta descolagem da América do universo Ocidental para se tornar a América o centro de uma nova civilização, onde fica o lugar da Europa? Não fica para além de um Continente dependente e em declínio. Para Trump, o mundo resume-se à competição entre a Rússia, a China e a América. Para Trump, a Europa só sobrevive estrategicamente porque tem a garantia de segurança da América. Eis a Europa como continente parasita e periférico aos grandes desígnios da Nova América. A Europa ou o Velho Continente dispensável.

Imagino as paredes brancas do capitólio cobertas de grafitis. Slogans em seringas que se manifestam nas escadarias. Deus a consultar Trump sobre a criação do Homem ou a preservação do caos. E Trump a aconselhar Deus para a importância da preservação do caos.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Tribo Trump

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião