Tribunal do Carlos de Instrução Criminal, Sociedade Unipessoal

Será talvez o único tribunal em Portugal que tem apenas dois juízes em funções. Um tribunal que recebe – vindos do DCIAP– os processos mais complexos. Portanto, não é coisa pouca.

Na semana passada, nas várias sessões do debate instrutório do processo da Operação Marquês, o nome do juiz de instrução criminal Carlos Alexandre veio à baila não uma, nem duas, mas várias vezes. Apesar do processo atualmente estar nas mãos de Ivo Rosa, foram vários os advogados de defesa que não se coibiram de mandar farpas ao juiz de instrução que há mais tempo está no Ticão.

Ponto prévio: a expressão que deu o título a este meu artigo não é da minha autoria, mas foi proferida num dos momentos altos da defesa de João Costa Andrade, advogado de José Paulo Pinto de Sousa, primo de Sócrates. Mas o título desta prosa poderia igualmente ser: “E tudo Carlos Alexandre herdou”. Ou vai herdando. Vejamos então o que se passa no Tribunal Central de Instrução Criminal. À exceção dos tribunais de pequenas comarcas, este será talvez o único tribunal em Portugal que tem apenas dois – repito – apenas dois juízes em funções. Um tribunal que recebe – vindos do Departamento Central de Investigação e Ação Penal – os processos de criminalidade altamente complexa, como a económico- financeira, a violenta e altamente organizada. E de especial mediatismo, diga-se. Portanto, não é coisa pouca.

Mais: no Ticão há mais de uma década, Carlos Alexandre chegou a ser o único juiz. Com a chegada de Ivo Rosa, em 2015, esse monopólio Alexandrino passou a ser dividido por dois. Mas, sabe-se lá porquê, sempre foi um tribunal com recursos escassos no que toca aos magistrados responsáveis pela instrução. Há uns anos, por decisão do Conselho Superior da Magistratura, foram colocadas duas juízas suplentes. Era na altura vice-presdente do CSM Mário Belo Morgado, atualmente secretário de Estado da Justiça. Mas em fevereiro deste ano, por decisão do novo vice-presidente do CSM, José Lameira, essas mesmas juízes foram ‘retiradas’ para outros tribunais por “conveniência de serviço”. Numa altura em que Ivo Rosa fica em exclusivo com a instrução da Operação Marquês – por um sorteio que foi inclusive posto em causa pelo próprio Carlos Alexandre – este magistrado ficou com tudo o resto que chega ao Ticão. Ocorre-me mais um título que encaixa também como uma luva: “E com tudo Carlos Alexandre ficou”.

Mais: com esta acumulação de funções, o magistrado tem direito a um aumento salarial que pode ir de 1/5 do ordenado ao ordenado na totalidade. Já para Ivo Rosa – que tem nos braços o processo mais complexo e mais mediático dos últimos anos – nada. Há quem questione este reinado, há quem questione a própria existência do Ticão – desde advogados a magistrados – mas nada acontece.

Será aceitável, numa democracia, a centralização num só juiz de processos para onde também vão os arguidos mais ‘apetecíveis’? Será aceitável manter o poder num só magistrado que é conhecido por permanentemente se arrimar nas teses do Ministério Público? Uma permanente validação que, aliás, acabou a dar resultados aparatosos e mediáticos como os do processo dos Vistos Gold – que envolvia um ex-ministro social democrata Miguel Macedo – em que, afinal, os arguidos foram absolvidos quer na primeira instância, quer na Relação. Arguidos esses que, em alguns casos, chegaram a estar em preventiva, decretada por Carlos Alexandre.

Será compreensível que um juiz que está há mais de uma década no Ticão, não tenha pretensões de subir na hierarquia da magistratura. Ou seja, para a Relação?

Não serão os check and balances, a rotatividade dos cargos, o princípio do juíz natural/sorteio de magistrados fatores fundamentais num Estado de Direito? Pensemos seriamente nisto.

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