Um novo protectorado?

Financiamento das empresas, a formação das pessoas, os desafios do envelhecimento e o reforço do “rule of law”. As quatro prioridades para os fundos europeus.

Nos últimos meses, o recurso ao “layoff” simplificado foi a tábua de salvação de boa parte das empresas e dos trabalhadores, não só em Portugal, mas um pouco por todo o mundo. No início deste mês, segundo afirmações da ministra do Trabalho, cerca de 25% da população activa no sector privado em Portugal (quase 880 mil pessoas) estava no “layoff” simplificado. Todavia, tratando-se de uma média, aquela percentagem escondia assimetrias regionais. Na Madeira, por exemplo, a proporção de população protegida pelo regime é superior à média nacional, atingindo um terço da população activa local – segundo números divulgados esta semana.

O “layoff” simplificado – que eu próprio defendi no início da pandemia, mas que deixou de se justificar com o fim do estado de emergência – não será fácil de abandonar. A tentação será tornar permanentes alguns apoios do Estado que se julgariam temporários. Por um lado, porque a recuperação económica tem sido lenta e assim permanecerá – em Maio, o índice de volume de negócios na indústria e nos serviços em Portugal estava mais de 30% abaixo dos valores do período homólogo. Por outro lado, porque, em face da introdução de vários apoios públicos, dos quais o “layoff” é apenas um deles, o impacto da crise foi fortemente amortecido.

O amortecer da crise está patente em diversos sinais que temos vindo a observar nas últimas semanas. Destacaria três.

  • Primeiro, uma evolução não tão dramática do desemprego, porque as empresas passaram o ónus para a Segurança Social em vez de terem assumido no imediato algumas escolhas difíceis.
  • Segundo, a manutenção do nível geral dos preços, e aqui incluo os preços do imobiliário também em Portugal, (artificialmente) acomodados pelas políticas monetária e orçamental.
  • Terceiro, o aumento significativo da taxa de poupança, que reflectirá não só a poupança forçada das pessoas, mas também alguma poupança voluntária.

Os amortecedores públicos, apesar de ampararem a queda, não resolvem a questão de fundo. Bem pelo contrário. Incentivam o imobilismo, levando ao adiamento do choque com a realidade, e transferem o problema para os contribuintes. É o que está a acontecer. Há pessoas que estão a leste do que aí vem, provavelmente lá para o final do ano ou no início de 2021. Outras fingem. No caso de Portugal, pretende-se que a conta seja paga com os fundos europeus. Todavia, não é certo que aqueles fundos venham a chegar no tempo e no envelope desejados. Isso mesmo se verá nos próximos dias, a propósito de nova cimeira europeia.

Portugal regista dos maiores níveis de endividamento público na Europa e, em conjunto com o endividamento privado, é das economias mais endividadas do mundo. Aumentar o endividamento, público ou privado, deveria ser a última das opções. Infelizmente, poderá não restar outra alternativa ao País. Seria, pois, importante que os fundos europeus, fossem eles a fundo perdido ou sob a forma de empréstimos, não acabassem a financiar megalomanias estatais ou empresas inviáveis. Seria preferível que esse dinheiro viesse em benefício directo e individual dos contribuintes e dos trabalhadores que aguentam Portugal.

A libertação dos fundos europeus vai obrigar os países a apresentarem planos de afectação de recursos. Não sendo de uma restritivamente extrema, o modelo que sair da cimeira não deixará de exigir escrutínio aos beneficiários das ajudas. Isso parece-me positivo, porque responsabilizará uns e outros. Neste contexto, uma estratégia que assentasse em três ou quatro eixos, a fim de um binómio “impacto máximo, intromissão mínima”, a negociar junto da União Europeia, seria a ideal. Em Portugal, esses eixos seriam: o financiamento das empresas, a formação das pessoas, os desafios do envelhecimento populacional, e o reforço do “rule of law”.

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