Um orçamento para a transição energética?

  • Bernardo Cunha Ferreira
  • 27 Outubro 2021

Assistimos a um orçamento que tem tanto de 2022 como de 1992. Um orçamento que em suma não está alinhado com a onda de transição energética e das alterações climáticas que assistimos.

A proposta de Orçamento de Estado para o próximo ano, que foi entregue na Assembleia da República no passado dia 12 de Outubro, e que hoje, após muita agitação, será votada, foi acompanhada de intensa adjetivação do Governo que assegurou a “mais-valia” e a “preciosidade” do documento em causa, destinado para o “presente e para o futuro (…) bom para as pessoas (…) no qual todos os portugueses se podem rever” (in Apresentação da Proposta do Orçamento, 12.10.2021, in www.portugal.gov.pt).

Sem fazer considerações políticas, mas centrando numa análise às medidas concretas em matéria de energia, um dos setores que se tem revestido da maior preponderância no desenvolvimento económico, diríamos que dificilmente aqueles adjetivos se aplicam. Com efeito, em tempos de emergência climática e transição energética e em linha com as instruções europeias e internacionais nesta matéria (e precisamente em vésperas da COP 26), esperava-se, do ponto de vista macro, um orçamento com uma tónica energética transversal a todas as áreas, setores e subsetores (trabalho, saúde, transportes), que assegurasse a alocação massiva de meios financeiros e a completa integração de fundos estatais e municipais relativos a projetos nesta área.

Por outro lado, em termos micro, esperava-se um orçamento que finalmente se debruçasse detalhadamente sobre alguns temas relevantes do setor elétrico, com especial incidência sobre a CESE (contribuição extraordinária sobre o setor energético), contribuição que impende sobre os principais promotores do setor energético que se vem propagando injustificadamente com carácter “temporário” deste 2014 e que persiste como fonte (pelo menos teórica) de receita orçamental. A este respeito, seria relevante uma avaliação séria e independente que se debruçasse sobre o racional daquela contribuição (seja pela via da redução das taxas ou incidência) e a sua integração no contexto de todos os custos, encargos e impostos a suportar pelos promotores. Note-se, a título de curiosidade que precisamente há um ano o Governo assumiu na Lei do Orçamento de Estado para 2021 (artigo 415º) o compromisso de “avaliar a alteração das regras (…) atendendo ao contexto de redução sustentada da dívida tarifária do SEN e da concretização de formas alternativas de financiamento de politicas sociais e ambientais do setor energético tendo por objetivo estabilizar o quadro legal desta contribuição e reduzindo o contencioso em torno da mesma”, compromisso esse que, tanto quanto sabemos não passou da forma escrita…

A título complementar, esperar-se-ia também um orçamento que não se limitasse a meras bagatelas incentivadoras de energias renováveis (apenas prevê a possibilidade de derrogação de incidência subjetiva do IVA relativamente a certas transmissões do excedente de eletricidade produzida em regime de autoconsumo renovável, a definir por despacho), que assumisse como elemento estratégico o incentivo massivo a veículos de baixas emissões (a definir por despacho) e à mobilidade elétrica (apenas é dada continuidade a introdução de veículos na administração pública, em apenas 200 (!) veículos adicionais) e que finalmente consagrasse, sem receios, um regime jurídico de simplificação administrativa dos procedimentos conexos a projetos no âmbito do setor da energia, como seja a criação de um balcão único, integrador de procedimentos de diferente índole e natureza (ambiental, regulatória, entre outros).

Ao invés, assistimos a um orçamento que tem tanto de 2022 como de 1992. Um orçamento que em suma não está alinhado com a onda de transição energética e das alterações climáticas que assistimos. Um orçamento que, dificilmente, em matéria de energia, será adjetivável como “bom para o futuro, bom para as pessoas e onde todos se podem rever”. Um orçamento, no fundo, a revisitar e a rever (com ou sem crise política).

  • Bernardo Cunha Ferreira
  • Associado de Energia & Alterações Climáticas da CMS Rui Pena & Arnaut

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