Um vírus que vai destruir ou reforçar a solidariedade Europeia?
Esperemos que se tenha aprendido a lição, e que ao contrário de há 10 anos, a economia não tenha que piorar (ainda mais) até lá chegarmos…
- You never let a serious crisis go to waste. And what I mean by that it’s an opportunity to do things you think you could not do before. Rahm Emanuel
Ainda estamos numa fase critica da propagação do Corona vírus e é certo que a economia mundial vai passar por uma forte recessão. No entanto, algo parece estar a mudar para melhor. Têm sido finalmente anunciadas verdadeiras bazookas de politica orçamental nas principais economias e pela primeira vez fala-se de emissão de dívida europeia. Será que tal como há 10 anos, vai ser preciso “uma boa crise” para que os líderes europeus tomem as medidas certas?
Num destes dias, num vídeo bastante divulgado, o diretor para situações de emergência da Organização Mundial de Saúde dizia que para combater uma epidemia, as autoridades têm que ser rápidos e estar sempre à frente do vírus. Ora, estas palavras não se aplicam apenas à medicina e ao combate à propagação do coronavírus, mas também encaixam como uma luva ao que deve ser atitude da politica económica em tempos de crise: há que estar à frente dos acontecimentos e surpreender sempre os agentes económicos pela positiva.
Até agora, a Europa (e também os EUA) têm estado atrasados em relação ao vírus e à economia. Não só as medidas de combate á expansão da doença foram lentas e descoordenadas, mas também as medidas de compensação económica. Para reduzir as dúvidas, não só quanto ao combate à propagação da doença, mas também quanto á recuperação posterior a uma recessão que se torna mais profunda a cada dia que passa, a União tem que garantir que todos os estados europeus têm a mesma capacidade de gastar. Caso contrário, os agentes económicos (famílias, empresas, mercado financeiro) continuarão a duvidar, aumentando ainda mais o impacto da recessão.
Os mercados não têm confiado nas medidas de politica económica, principalmente devido á inação da política orçamental. Nos EUA, o governo federal tem sido muito lento, graças à desvalorização que Donald Trump tem feito desta doença e o FED, foi bastante rápido. Mas foi talvez rápido demais, ficando sem mais munições e aumentou a desconfiança, pondo os mercados a pensar – o que será que eles sabem que nós ainda não sabemos? Já na Europa, ainda que estejam a ser anunciadas medidas orçamentais praticamente todos os dias, a lentidão tem sido mais ou menos partilhada.
O BCE não só anunciou medidas de liquidez como também reduziu os requisitos de capital libertando capacidade de crédito por parte dos bancos. No entanto, o “deslize” de Christine Lagarde ao dizer que o BCE não serve para controlar os spreads das obrigações de governo deitou de certa forma tudo a perder – depois de anos de relativa calma, apenas interrompida pelas crises politicas italianas, os spreads voltaram a alargar um pouco por todos os países.
Para além disso, não se tem visto grande coordenação europeia nem no combate a doença nem tão pouco na definição de um plano comum de recuperação (exceção feita ao programa de 40 mil milhões de euros anunciado pelo BEI). Em bom rigor, com o regresso de controlos nas fronteiras e anúncios de medidas país a país, ficamos com a sensação de voltar atrás o tempo…
No entanto, nos últimos dois dias, o mundo tem vindo a mudar, e para melhor. Primeiro, timidamente. Na reunião desta segunda feira, Mário Centeno, parafraseando Mario Draghi em 2012, anunciou que os governos farão tudo para preservar a economia europeia, mandatando o fundo de resgate da Área do Euro, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), para estudar os instrumentos disponíveis para financiar uma resposta comum ao impacto económico do coronavírus. Já esta terça feira, os chefes de estado e de governo terão discutido a hipótese de emissão de dívida conjunta para financiar o esforço de todos os países. E pasme-se, pela primeira vez, Angela Merkel não se demonstrou desfavorável a tal ideia! Segundo essas notícias estão em cima da mesa três opções:
- obrigações emitidas exclusivamente para este fim pelo Banco Europeu de Investimento (o Banco da União Europeia), algumas compradas depois em mercado secundário pelo BCE, com uma garantia do MEE, que tem presentemente uma capacidade de 410 mil milhões de euros.
- um fundo europeu que daria garantias às emissões de dívida de cada país para este efeito.
- a utilização das linhas (cautelares ou normais) de financiamento do MEE por parte dos países da área do euro.
Nenhuma das três opções viola a regra (sacrossanta para alguns países) que proíbe o financiamento dos governos por parte do BCE. Ainda assim, têm alguns obstáculos:
As duas primeiras representariam um passo de gigante na politica económica da União, já que seriam uma efetiva mutualização dos riscos. Ainda assim, requerem alguma engenharia financeira e política, já que tais garantias teriam de ser bem estudadas e articuladas para distribuírem o risco pelos vários países. Para alem disso, ainda que o BEI já emita obrigações comuns aos estados membros, o MEE é uma instituição detida apenas pelos países do Euro.
A terceira opção não traz propriamente nada de novo, mas seria a mais imediata, principalmente para os países mais necessitados no curto prazo (Itália e Espanha). No entanto, nenhum país quer ser o primeiro pedir uma linha do MEE, nem que seja uma linha cautelar, já que ao fazê-lo esta a assumir que não tem condições de financiamento em mercado.
Uma hipótese (não adiantada nas noticias), para utilizar esta opção sem criar desequilíbrios no mercado, que poderiam levar estes países para um resgate, poderia passar por todos os países da moeda única pedirem (ou terem acesso a) uma linha cautelar. É certo que o MEE não tem capacidade financeira para financiar durante um ano todos os países, mas nunca seria necessário. Se todos os países pedissem um linha, o BCE poderia ativar finalmente a bazooka de Draghi – o OMT, e assim o MEE nunca teria de emprestar, bastando a garantia. Haveria ainda um último problema a ultrapassar. De acordo com as regras do BCE, o OMT só pode ser ativado caso um pais peça uma linha cautelar “reforçada” (ECCL), o que implica uma monitorização regular por parte da comissão europeia, MEE e BCE. Neste caso essa monitorização poderia ser reduzida ás medidas relacionadas com o combate ao COVID19 e aos seus impactos.
Concluindo: A crise das dívidas soberanas levou o euro perto de um abismo, com controlo de capitais em alguns países e possibilidades reais de saídas da união monetária. No entanto, passados 10 anos dessa crise, a moeda única tem agora mais mecanismos comuns (MEE, União Bancaria) e o BCE é agora um banco mais interventivo do que era. Poderá acontecer agora o mesmo? Será que depois de controlos de fronteiras e de uma nova crise nos mercados, haverá consenso para continuar a completar a construção europeia no que respeita não só a medidas comuns de saúde mas também ao financiamento dos estados? Esperemos que sim, que se tenha aprendido a lição, e que ao contrário de há 10 anos, a economia não tenha que piorar (ainda mais) até lá chegarmos…
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