Uma NATO comercial para os não-alinhados

Em resposta às tensões comerciais crescentes, uma opção para países não-alinhados seria uma aliança comercial para se protegerem das práticas comerciais agressivas de potências como os EUA e a China.

Nos últimos anos temos assistido ao que parece ser o fim da mais recente ordem mundial. As instituições multilaterais globais, estabelecidas depois da Segunda Guerra Mundial e suportadas pelo poder hegemónico dos Estados Unidos da América (EUA), estão a perder importância na resolução de conflitos e na cooperação global entre estados. Isto é particularmente evidente no comércio internacional, que é hoje usado como arma geoeconómica por diferentes países. Perante o crescimento das hostilidades comerciais, que podem fazer os países mais pequenos?

Quando a Austrália exigiu uma investigação internacional sobre as origens do Covid-19 e criticou a China pelas suas políticas em Hong Kong e Xinjiang em 2020, era esperado que a China respondesse. No entanto, foi algo surpreendente que a China reagisse com tarifas aduaneiras punitivas, ou seja, impostos sobre os produtos australianos no mercado chinês, como represália por um bate-boca diplomático. Por sua vez, a Lituânia, em 2021, permitiu que Taiwan abrisse uma representação diplomática, um desafio à política de “uma China”. A China retaliou com a exclusão da Lituânia do registo aduaneiro na China, o que reduziu significativamente as exportações da Lituânia para a China.

Claro que não é apenas a China que se dedica à instrumentalização do comércio internacional para conseguir objetivos geopolíticos. Os EUA e a União Europeia (UE) também recorrem a estas práticas. Historicamente, as disputas comerciais eram limitadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Os países podiam retaliar contra tarifas aduaneiras que não respeitassem as regras da OMC, o que limitava o uso de políticas comerciais punitivas. No entanto, a eficácia desta instituição tem sido comprometida, em parte devido à recusa dos EUA em nomear juízes para o tribunal de apelos da OMC. Sem este mecanismo, como se podem proteger os países mais pequenos de abusos no comércio internacional?

Uma opção que tem sido discutida nos últimos anos é um mecanismo coletivo de defesa comercial. Perante um ataque comercial por parte da China ou dos EUA, os membros desta aliança responderiam de forma unificada. Esta seria uma estratégia exclusivamente de “defesa comercial”, visando manter o comércio internacional com os novos blocos geopolíticos. Essencialmente, formar-se-ia um bloco de países não-alinhados, do ponto de vista comercial, que embora não pudessem exercer o seu poder sobre outros países, estariam coletivamente protegidos contra ações unilaterais. A proposta mais comum é baseada num acordo entre os EUA e a UE para isolar a China. No entanto, um acordo entre países não-alinhados, ou pelo menos sem os EUA e a China, seria mais promissor.

A UE tem demonstrado a capacidade de agir como um bloco unido na política comercial. O caso da Austrália, contudo, revela que há espaço para uma aliança mais global. Além disso, ao limitar a ação desta aliança estritamente ao âmbito do comércio internacional, isenta de política ou diplomacia não económica, faria com que esta aliança fosse mais eficaz (e menos perigosa do ponto de vista geopolítico). Seria uma espécie de “NATO comercial”, mas crucialmente uma aliança sem os Estados Unidos ou a China, talvez até sem a União Europeia, com um foco exclusivo no sentido original de um mecanismo de defesa. Algo muito diferente do sentido em que a mesma expressão foi usada na altura da discussão do agora abandonado Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP).

A situação de conflito em que vivemos não é sustentável. A reunião entre Biden e Xi a semana passada foi um desenvolvimento positivo mas ainda estamos muito longe de virar a página na deteroriação das relações entre os dois países. Eventualmente teremos um novo equilíbrio geoeconómico. Enquanto isso não acontece, devemos pensar em formas de salvaguardar o elemento que mais une os países de todo o mundo, e a principal esperança para uma reorganização da ordem mundial de forma pacífica: o comércio internacional.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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