Zé Manel Galvão Teles
Eu não era assim tão especial e o Zé Manel fazia o mesmo a muitos outros, especialmente aos mais novos. Achei que era uma grande pessoa por tratar tantas pessoas “como gente”.
Não tenho bem memória de quando conheci “o José Manuel Galvão Teles”, amigo e colega de Faculdade do meu pai. Deve ter sido algures num concerto na Gulbenkian para onde era arrastado às vezes ou, não sei bem, talvez na Praia Maria Luísa nos anos 80. Não me lembro, mas lembro-me bem de ter estado com uma figura de barbas, com uma voz forte e com ar de quem gostava de tratar a criançada de uma maneira especial. Deve ter sido um dia de Verão na Praia Maria Luísa, ao fim da tarde, na maré vazia, ou pelo menos gosto de pensar que foi assim.
Sabia, sem na verdade o conhecer, que era um homem recomendável. O faro não enganava: tinha aquele ar de D’Artagnan dos filmes “de capa e espada” que os miúdos adoravam. E, ainda por cima, era ex-colega do meu pai, amigo do Sampaio, Socialista e advogado que arriscava e se insurgia antes do 25 de abril contra a guerra colonial e que alinhava em publicações anti-regime. Só podia ser boa pessoa.
Foi com esta ideia do “José Manuel Galvão Teles” que vivi durante muitos anos. Só mais tarde vim a saber umas coisas sobre a sua atividade como advogado, várias delas pelas histórias do Joaquim Pires de Lima. Soube que defendeu pessoas acusadas por crimes políticos, que apregoava a liberdade, que dizia que um advogado não podia ter medo, que gostava de dizer coisas sem rodeios nem receios e que era um grande advogado de barra.
Em 2003 entrei na Morais Leitão, então Morais Leitão, J. Galvão Teles & Associados. As razões eram boas e achei na altura que os fundadores deviam ser pessoas especiais. Criaram uma das primeiras “sociedades de advogados grandes” em Portugal, era moderna sem deixar de ser clássica, trabalhava-se muito, mas havia muita liberdade para fazer o que se queria, muitos tinham convicções políticas assumidas e isso era visto com um certo orgulho e era um projeto empresarial, ambicioso e moderno, mas sem perder a noção dos valores e de que era preciso fazer aquilo em que se acreditava. Coisas que os dois primeiros fundadores – João Morais Leitão e José Manuel Galvão Teles -, deixaram e que ficaram. Não é pouco trabalhar num sítio de que se gosta e rapidamente percebi que o espírito veio deles.
Num dia, com a naturalidade de quem sempre me conheceu, chamou-me para falar de assuntos jurídicos em que queria a minha opinião, do PS, de quem valia a pena na Faculdade de Direito e das novas gerações de políticos. Não me apresentou o escritório, não me falou dos colegas nem me deu as boas-vindas. Tratou-me como sempre tivesse estado na Morais Leitão, por tu. E eu também o tratei por tu, se calhar porque já conhecia aquelas barbas e aquele ar de quem fala a sério e a brincar e trata todos como gente. Ficou o Zé Manel e nunca mais deixou de ser assim.
Ficámos amigos e fiquei a saber mais do Zé Manel. Gostava muito dos seus amigos, fez coisas corajosas num tempo em que era preciso ter coragem para dizer o que se pensava, adorava falar com e aos mais novos, tinha a curiosidade de um miúdo e fazia certas coisas com um ar maroto de quem sempre teve uma parte de adolescente até ao fim da sua vida (ainda hoje guardo um ou dois segredos que ele me pediu para não contar ao Nuno…). Mandava-me recados para as novas gerações de advogados, para os jovens políticos, brincava com os académicos e fazia-me perguntas para perceber a quantas andavam “os mais novos”. Exagerava sempre os seus defeitos, as suas insuficiências e incapacidades, como só as pessoas muito confiantes fazem. E eu achava isso uma qualidade maravilhosa. Ainda para mais, sentia-me especial por o Zé Manel me reservar tanta atenção.
Assim foi nesses primeiros anos na Morais Leitão e assim continuou igual, quando me deu um manual para governar bem na minha saída da Morais Leitão em 2005 e quando mandava recados para governar melhor entre 2005 e 2011. Nesse ano, quando voltei à Morais Leitão, lá veio o mesmo telefonema, como nunca tivesse estado fora: “chega lá aqui que queria mostrar-te uma coisa”. E lá estávamos novamente a começar por uma carta que um cliente queria que escrevêssemos e a acabar em quem estava a dar cartas na política e como o PS devia fazer melhor.
Foi nessa altura, depois de 2011, que comecei a perceber outra coisa. Eu não era assim tão especial e o Zé Manel fazia o mesmo a muitos outros, especialmente aos mais novos. Achei que era uma grande pessoa por tratar tantas pessoas “como gente”.
Hoje dei por mim a tentar perceber porque gostava mesmo dele. Se calhar era a imagem simpática de espadachim, se calhar era a coragem de ter arriscado pela liberdade quando isso era difícil, se calhar era por ser o camarada ilustre que dava importância ao aprendiz…Não sei mesmo, mas talvez fosse porque 1/3 do que fazia era a sério, 1/3 era a brincar e, no último terço, tratava todos por igual, novos e velhos, ricos e pobres, da mesma maneira.
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