De Picoas ao Bolhão, comerciantes “já tiveram Páscoas melhores”

Comerciantes do Mercado do Bolhão (Porto) e do Mercado 31 de Janeiro (Lisboa) descrevem que as vendas para a Páscoa estão mais fracas do que no ano passado. Clientes optam por "pratos mais baratos".

Do Porto a Lisboa, os portugueses estão mais contidos e as vendas estão mais fracas em comparação com a Páscoa do ano passado. Os comerciantes confirmam ao ECO que “já tiveram Páscoas melhores” e que os clientes estão a optar por pratos mais baratos. Queixam-se ainda que estão a perder clientes para as grandes superfícies e que muitas famílias optam por almoçar fora.

“Já tive Páscoas melhores”, começa por afirmar Ricardo Moreira, que pertence à terceira geração do Talho do Toninho, no Mercado do Bolhão. Se em outrora a vitela e o borrego eram iguarias quase obrigatórias na mesa de Páscoa dos portugueses, este ano o cenário é diferente, com os consumidores a optarem por pratos mais baratos como é o caso do lombo. Ricardo Moreira afirma que as “vendas estão a correr mais ou menos” e que contrariamente a anos anteriores, está a vender mais vitela e menos cabrito e borrego.

“Este ano os clientes estão a apostar mais na vitela por ser mais económico”, constata o dono do Talho do Toninho. O ano passado vendeu o “dobro dos cabritos e muito menos vitela”. Garante que os preços são os mesmos que na Páscoa do ano passado e que não é esse fator que está a alterar os hábitos de consumo.

Ricardo Moreira proprietário do Talho do Toninho no Mercado do BolhãoFátima Castro/ECO

No Mercado 31 de janeiro, em Picoas, o cenário é muito semelhante. O talhante Gonçalo que trabalha no mercado há cinco anos conta ao ECO que “nesta altura os consumidores optam por outros pratos” e acabam por descartar o borrego e o cabrito. O comerciante justifica que os preços acabam por afastar a clientela: “além de estar caro [borrego e cabrito] as pessoas também fogem um pouco a isso“. Em relação às vendas, o talhante considera que “estão um bocado mais fracas do que é costume” porque “muitas pessoas vão embora para as terras e não passam cá a Páscoa, por isso, torna-se mais fraco“.

As carteiras estão muito mais pobres e estamos a vender menos que o ano passado.

Brilhantina Ferreira

Proprietária da Salsicharia Leandro do Mercado do Bolhão

Brilhantina Ferreira, proprietária da Salsicharia Leandro do Mercado do Bolhão, concorda com o talhante da capital e reforça que os “portugueses perderam o poder de compra” em relação ao ano passado e que isso está a refletir-se nas vendas. “As carteiras estão muito mais pobres e estamos a vender menos que o ano passado”, afirma a comerciante portuense, apesar de realçar que os preços estão mais baixos que o ano passado, com o lombo a fixar-se nos 3,99 euros o quilo e as costelas a 5,90 euros.

Se alguns consumidores optam pela carne, outros preferem o peixe ou o marisco. O polvo é o produto estrela, mas há quem opte pelo bacalhau. Em Lisboa e no Porto, o cenário é ligeiramente diferente. Na capital, Paulo Neves, responsável pela banca “Pioneiros do Mar” e que trabalha no mercado 31 de Janeiro há mais de três décadas, constata que “há um grande fluxo de pessoas que vão passar a Páscoa à terra. As pessoas que moram aqui são da terra, não são nascidas cá”, lamenta. Em relação às vendas, salienta que “não está tão boas como no ano passado”.

À esquerda Sara Araújo, no centro Marina Gomes e à direita Brilhantina Ferreira.Fátima Castro e Hugo Amaral/ECO

“Natal em casa, Páscoa na rua”, atira Marina Gomes, peixeira que trabalha no Mercado 31 de Janeiro há 15 anos. A comerciante admite que “na Páscoa não se vende nada” e que as “pessoas optam por comer fora“. A tendência confirma-se com os hotéis praticamente cheios em todas as zonas do país durante o fim de semana da Páscoa, superando níveis de 2019.

Com os consumidores a fugir para fora dos grandes centros urbanos, os comerciantes do Mercado 31 de Janeiro, em Lisboa, veem no turismo uma grande “esperança” já que vivem muito da restauração. “Se os restaurantes tiverem muitas reservas, vêm e compram bastante. Se for um ano fraco de turismo a gente aqui nota logo”, afirma Paulo Neves, responsável pela banca “Pioneiros do Mar”.

Banca “Peixaria Sara” no Mercado do Bulhão.Fátima Castro/ECO

Na Invicta, o cenário é ligeiramente diferente e apesar do Mercado do Bolhão ser um local bastante turístico tem muitos clientes locais. Sara Araújo, proprietária da banca “Peixaria Sara”, afirma ao ECO (enquanto amanhava peixe e atendia clientes), que as “vendas da Páscoa estão a correr muito bem e equivalentes ao ano passado”. Os produtos mais procurados para a quadra festiva são o polvo, a pescada, a lampreia, sapateira e camarão da costa. Sara Araújo que está a seguir o percurso da mãe, que estava à frente do negócio, garante que “não aumentou os preços”, sendo que o polvo está a 15 euros o quilo, a sapateira a 18 euros e o camarão da costa a 40 euros.

Comerciantes estão a perder clientes para as grandes superfícies

A proprietária da Salsicharia Leandro, que está no Mercado do Bolhão há mais de 40 anos, considera que está a perder clientes para as grandes superfícies e culpa essencialmente “a falta de estacionamento” no Mercado do Bolhão, que reabriu as portas a 15 de setembro de 2022, depois de uma obra de restauro “exigente” avaliada em 50 milhões de euros.

A proprietária da banca “Peixaria Sara”, Sara Araújo, tem consciência de que a falta de estacionamento é um constrangimento, mas está convencida que o presidente da câmara do Porto vai arranjar uma solução para esse problema. O ano passado, a Associação do Comércio Tradicional Bolha de Água disse que a maioria dos comerciantes com bancas no Mercado do Bolhão está descontente com a atual gestão. A proprietária da banca “Peixaria Sara” discorda totalmente e afirma que está no Bolhão há 40 anos e que o “Drº Rui Moreira foi o único presidente que disse que a obra era para ser feita e foi. Foi o Rui Moreira que transformou este magnífico mercado”, relembrando que“chegou a vender peixe anos e anos à chuva”. “É fácil criticar, mas parece que as pessoas já não se lembram o que passamos no mercado antigo“, realça.

Fátima Castro/ECO

Independentemente da localização, a queixa dos comerciantes é transversal. Gonçalo, talhante de uma banca no mercado lisboeta afirma que “as superfícies dão cabo do negócio”. “Nós trabalhamos com produtos nacionais, eles não… Hoje em dia as pessoas não olham tanto à qualidade. O horário é desequilibrado: abre cedo e às 14h/15h está a fechar”, lamenta.

Ana Paula Miranda, dona de uma banca de hortaliças e frutas, no Mercado 31 de janeiro, admite que não conseguem competir mas diz que “quem vem ao mercado é um cliente que gosta de um atendimento mais personalizado” e que contrariamente aos supermercado onde “ninguém conhece os clientes, no mercado temos aqueles clientes que já são habituais, que já nos conhecem, quase que é familiar”.

Produtos frescos e com qualidade é o que salva o negócio

Apesar de estar descontente com a falta de estacionamento no icónico mercado portuense, Brilhantina Ferreira, dona da Salsicharia Leandro, reconhece que “a qualidade dos produtos é muito superior nos mercados tradicionais” e que as pessoas “ainda valorizam isso“. Uma opinião partilhada pelo dono da Confeitaria do Bolhão que não tem dúvidas que as “pessoas optam por produtos de qualidade” e dão “preferência às lojas tradicionais” em detrimento das grandes superfícies.

As pessoas convenceram-se que são aquilo que comem e procuram menos quantidade, mas mais qualidade.

Sara Araújo

Proprietária da banca “Peixaria Sara” no Mercado do Bolhão

Sara Araújo, da banca “Peixaria Sara” no Mercado do Bolhão, menciona que os clientes que vão ao mercado procurar qualidade. “As pessoas convenceram-se que são aquilo que comem e procuram menos quantidade, mas mais qualidade”, realça a proprietária da banca “Peixaria Sara”. Acrescenta que as “pessoas gostam da frescura” e que todos os dias vão à lota buscar peixe fresco, e isso é o que os diferencia das grandes superfícies.

Madalena Natividade, presidente da Junta de freguesia de Arroios, entrega um saco à comerciante Sofia.Hugo Amaral/ECO

Para promover o comércio local, Madalena Natividade, presidente da Junta de freguesia de Arroios, estava no Mercado 31 de Janeiro a distribuir sacos aos comerciantes e clientes, com o slogan “Levo Arroios comigo”. “A Junta de Freguesia tem que apoiar não só os fregueses, mas também os comerciantes e o Mercado 31 de Janeiro e o Mercado de Arroios têm que ser promovidos, por isso, fizemos esta campanha para chamar as pessoas a virem fazer as compras ao mercado porque os comerciantes também precisam”, afirma a autarca.

Páscoa está mais doce

Na mesa da Páscoa não podem falar as amêndoas, ovos de chocolate, o pão-de-ló e o folar para adoçar a boca dos portugueses. Na Confeitaria do Bolhão, que fica mesmo em frente ao Mercado do Bolhão, as pessoas quase faziam fila. José Rodrigues, proprietário da pasteleira mais antiga da Invicta, datada de 1896, conta ao ECO que “as vendas na Páscoa estão a correr melhor do que era esperado” e que têm “mais vendas que o ano passado”. Os clientes procuram acima de tudo o pão-de-ló e o folar da Páscoa. Com a grande adesão, José Rodrigues, filho de português e de mãe venezuelana que regressou a Portugal em 1998 e comprou em leilão a centenária Confeitaria do Bolhão, afirma que os pasteleiros estão a fazer fornadas de pão-de-ló duas vezes por dia.

Apesar da inflação, o proprietário da Confeitaria do Bolhão optou por manter os preços do ano passado. Um folar com um ovo custa quatro euros e o pão-de-ló está a 16,50 euros por quilo. “Devia ser mais caro porque o preço das matérias-primas disparou, mas temos consciência que a vida para os portugueses não está fácil e decidimos manter os preços”, afirma o proprietário que dá trabalho a 30 pessoas.

Ana Paula Miranda, dona de uma banca de hortaliças e frutas no Mercado 31 de Janeiro, adianta que este ano mudou a estratégia e está a vender também pacotes de amêndoas a 3,50 a unidade. Com o negócio “um bocadinho fraco” lembrou-se que podia adoçar a boca aos clientes e angariar mais uns euros. “O ano passado não trouxe amêndoas, só que este ano lembrei-me e acaba por se ir vendendo. O cliente vem, leva as outras coisas e acaba também por levar as amêndoas”, diz a comerciante que trabalha há 33 anos neste mercado lisboeta.

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