Porto liga-se a Berlim em hackaton para acelerar o carro do futuro

A 42 Porto recebeu pela primeira vez o Eclipse Software Defined Vehicle, com 60 participantes de todo o mundo, que durante dois dias e meio trabalharam em protótipos para o setor automóvel.

“Antigamente o carro existia e punham-se lá umas peças pequeninas de software. Hoje é ao contrário. O carro quase que todo ele é primeiro pensado no que diz respeito ao software — SDV (Software Defined Vehicle) — e depois metemos umas carcaças por cima desse software“. As palavras são de Ana Charrua, sócia da Shaken, responsável pela 42 Porto, e sintetizam a transformação no setor automóvel, uma mudança que tem a tecnologia ao volante. Num evento realizado pela primeira vez na cidade do Porto, em ligação direta a Berlim, 60 participantes estiveram a trabalhar numa maratona de inovação para desenvolver protótipos para o setor automóvel, para ligar a ignição ao carro do futuro.

O número 5 da Rua da Picaria no Porto, no edifício histórico da Meo na Baixa do Porto, a atual a morada da escola de programação 42 Porto, recebeu, esta semana, um grupo de visitantes muito especial. A escola, que lançou há um ano o programa de especialização sea:me (software engineering for the Automotive and Mobility Ecosystems), com o apoio da Brisa e da Critical TechWorks, foi a casa do Hackathon da Eclipse Foundation sobre Software Defined Vehicle, um evento que habitualmente decorre na Alemanha e, este ano, pela primeira vez, se dividiu entre a capital alemã e a Invicta, com 60 participantes em cada cidade, ligados virtualmente a trabalhar em protótipos para automóveis.

Este hackathon é muito específico, porque trabalha aquela questão ligada às soluções para compreender os automóveis”, explica Ana Charrua, enquanto nos apresenta as instalações da 42 Porto, que, entre os dias 30 de setembro e 2 de outubro, acolheu esta maratona de inovação no 4.º piso do seu edifício na Invicta. O evento, dedicado a “resolver desafios especificamente para a indústria automóvel”, contou com a presença de pessoas de todo o mundo, “desde Itália, Alemanha, Reino Unido. Espanha, Estados Unidos”, a alunos da escola que participam no programa sea:me.

Tudo o que tem a ver com a mobilidade nas cidades está a evoluir a uma velocidade impressionante e toda a indústria automóvel teve de se transformar para os carros, que hoje em dia são uma grande maioria software.

Ana Charrua

Sócia da Shaken

Tal como explica a responsável, “tudo o que tem a ver com a mobilidade nas cidades está a evoluir a uma velocidade impressionante” e toda a indústria automóvel “teve de se transformar para os carros, que hoje em dia são uma grande maioria software“. “E como é que nós construímos software para esta nova realidade de veículos?” Foi para responder a esta pergunta que a 42 Porto decidiu fazer uma parceria e associar-se à Eclipse Foundation, “que é uma fundação internacional e que que funciona a nível europeu com os grandes players do mercado, que tem um grupo específico, um working group, que é o SDV, Software Defined Vehicle”, que faz um hackathon anual, que este ano chegou ao Porto, explica Ana Charrua.

Enquanto no 3.º piso do edifício da escola, vários grupos de alunos continuam a trabalhar nos seus programas, no piso de cima o “código” é outro. “É um desafio mais amplo, menos definido, onde as pessoas precisam juntar peças de uma arquitetura automóvel para entregar algo”, explica Fréderic Desbiens, um dos coaches do hackaton e membro da Fundação Eclipse. A título de exemplo, Fréderic aponta limitações aos softwares atuais. “Não sei se você tem um EV, mas eu tenho um e quando instalo um software de atualização nesse carro, apenas recebo o mínimo de informações, se foi atualizado sucessivamente ou não”, aponta.

Frédéric Desbiens, da Eclipse Foundation, responsável pelo hackathon que decorre na 42 Porto, escola de programaçãoRicardo Castelo/ECO

É para melhorar a experiência de condução que as várias equipas estiveram a trabalhar. “O que oferecemos aos participantes é um conjunto de coisas que funcionam, mas precisavam de trabalhar sobre isso para mostrar que estão a fazer melhor do que o que eu tenho no meu carro atual, por exemplo”, explica. A partir daqui os vários grupos têm de usar “o seu conhecimento, a sua curiosidade, fazer pesquisas na internet e coisas assim, para descobrir formas de resolver os desafios criativamente e entregar algo que pode ser usado em carros reais”.

O coach garante que a maratona que terminou na última quinta-feira, dia 3 de outubro, já vai lançar o mote para melhorias nas soluções atuais, com novos protótipos. “O que vi foi realmente exatamente o que queríamos, um sentido prático do problema e a criatividade para realmente trazer algo diferente do que está atualmente disponível”.

42 Porto, escola de programação onde o ensino assenta num modelo em que não há professores, aulas nem horáriosRicardo Castelo/ECO

Para Fréderic Desbiens, o hackaton é especialmente importante porque pressiona os participantes a trabalhar em soluções em tempo recorde e sob pressão. “A linha de tempo é muito clara e os níveis de stress são altos”, comenta.

Para os alunos da 42 Porto que frequentam o sea:me, o hackaton foi uma oportunidade de testar os conhecimentos adquiridos. “É um programa de 10 meses em que os alunos vêm aprender a programar e a construir software especificamente para a indústria automóvel e indústria da mobilidade”, refere Ana Charrua. Trata-se de um programa criado pela escola com capacidade para 25 alunos, que recebem uma bolsa.

Mais de 15 mil candidaturas num ano

Ana Charrua, da 42 PortoRicardo Castelo/ECO

Ainda que o programa de especialização dedicado ao setor automóvel seja um dos destaques da escola — que tem um laboratório próprio para testar, por exemplo, modelos de condução autónoma — , esta é apenas uma vertente do que os alunos de 42 Porto podem apreender: Nesta escola aprende-se, não se ensina.

“Nós não temos aulas, não temos professores”, explica Ana Charrua. Nesta escola de programação, onde “tudo é um jogo, tudo é gamificado”, os alunos “não se cruzam com um único professor. A equipa pedagógica, a partir de França, onde nasceu a escola, o que faz “é desenhar toda a experiência de aprendizagem do aluno, não sendo eles que têm o objetivo de passar conhecimento de uma forma passiva aos alunos“.

“A única coisa que nós fornecemos é um PDF que descreve um problema, um desafio”. E é esse problema que os alunos têm de resolver. “Os desafios são construídos de forma a que, progressivamente, os alunos vão adquirindo conhecimentos, porque têm que ir à procura desse conhecimento, e o conhecimento hoje em dia é gratuito e é uma camada”. Os alunos podem ainda apoiar-se no conhecimento uns dos outros: “Há 20 e tal mil alunos que existem à volta do mundo, há sempre alguém que se estiver aqui às três da manhã e tiver uma dúvida para tirar com um sul-coreano que está acordado, nesse momento, na 42 da Coreia do Sul, vai poder pedir ajuda”, explica Ana Charrua.

Pelo meio têm ainda de fazer um exame e há seis meses de experiência profissional, ao fim dos quais podem voltar à escola para fazer uma especialização, na área de gaming, de sistemas, de cibersegurança, de inteligência artificial, ou no programa criado pela 42: sea:me.

Ana Charrua, 42 Porto, no laboratório criado para o programa sea:me.Ricardo Castelo/ECO

Com 1.000 alunos ativos, 500 em Lisboa e outros 500 no Porto, esta é uma escola gratuita, totalmente financiada por mecenas, que incluem empresas como a Sonae, Meo, Amorim, ou BA Class. Empresas que também ganham com a formação dada pela escola, que, apesar de não se poder intitular como escola de engenharia de software, por não poder dar diploma – uma vez que os seus cursos são apenas de dois anos, ao fim dos quais os alunos recebem um certificado – é precisamente isso o que faz.

“Temos 100% de empregabilidade”, garante Ana Charrua, destacando o número de candidatos “impressionante” que a 42 Porto tem. “Desde 2020 tivemos 66 mil candidatos à 42. Só este ano tivemos 15 mil, o que é para nós comparável com a procura do ensino superior, que este ano foi 44 mil. É um terço das candidaturas“, remata.

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