“A questão básica para pensar num bom salário passa pela dignidade das condições de vida”

  • Cristina Oliveira da Silva e Margarida Peixoto
  • 10 Outubro 2016

Secretário de Estado do Emprego afirma que "desadequação face às qualificações, baixos salários e falta de perspetivas de estabilidade são fatores poderosos para explicar a crise demográfica do país".

Para o secretário de Estado do Emprego, é difícil, “ou até impossível”, encontrar um valor de referência para aquilo que deve ser considerado um “bom salário” em Portugal. Isto porque este conceito implica “uma avaliação qualitativa e por vezes subjetiva de adequação aos percursos, perfis e necessidades de cada pessoa e agregado familiar”. Aliás, outros especialistas apontam também para a necessidade de avaliar um conjunto de características quando o desafio é tentar perceber o que é um bom vencimento. Em declarações ao ECO, Miguel Cabrita salienta que o objetivo do aumento do salário mínimo é o de garantir “dignidade” aos trabalhadores inseridos na base da tabela salarial e combater a pobreza.

O que se pode considerar um “bom” salário em Portugal?

O conceito de “bom” salário implica uma avaliação qualitativa e por vezes subjetiva de adequação aos percursos, perfis e necessidades de cada pessoa e agregado familiar, sendo difícil – ou até impossível – encontrar um valor de referência abstrato e aplicável de modo universal. A questão fundamental é a da dignidade do trabalho, e além do salário é importante ter em conta também outras variáveis.

Num primeiro plano, a questão básica para pensar num bom salário passa pela dignidade das condições de vida que o trabalho proporciona. Isto é particularmente verdade num país como Portugal, em que há ainda demasiados trabalhadores pobres e problemas relevantes de desigualdade, precariedade e instabilidade nas relações laborais.

Para além do nível salarial estritamente considerado, não podem ser retirados da equação aspetos como a adequação às competências do trabalhador e às exigências das funções desempenhadas, o cumprimento das regras laborais nas suas diferentes dimensões e, não menos importante, perspetivas de estabilidade aceitáveis que permitam projetos de vida mais sólidos e concretizar aspirações de trajeto pessoal e de desenvolvimento familiar. Por exemplo, desadequação face às qualificações, baixos salários e falta de perspetivas de estabilidade são fatores poderosos para explicar a crise demográfica do país, porque são estímulos poderosos à emigração ou ao adiamento (ou mesmo desistência) das decisões de ter filhos.

"Desadequação face às qualificações, baixos salários e falta de perspetivas de estabilidade são fatores poderosos para explicar a crise demográfica do país, porque são estímulos poderosos à emigração ou ao adiamento (ou mesmo desistência) das decisões de ter filhos.”

Miguel Cabrita

Secretário de Estado do Emprego

É de esperar que o aumento da Remuneração Mínima Mensal Garantida (RMMG) empurre estes valores médios para cima? É esta a intenção do Governo?

Um dos objetivos primordiais do aumento da RMMG (que esteve congelada em 2012, 2013 e 2014, gerando variações reais negativas) passa por garantir dignidade aos trabalhadores que estão nos segmentos mais baixos da escala salarial e combater as desigualdades e a pobreza entre trabalhadores. É preciso não esquecer que Portugal tem diferenças salariais superiores à média europeia e que mais de 1 em cada 10 trabalhadores em Portugal está em risco de pobreza.

A dinâmica salarial mais vasta é relativamente autónoma dos aumentos da RMMG. Dito isto, é lógico que aumentos salariais, em qualquer ponto da escala salarial, possam contribuir para a elevação das médias, mas o que os dados disponíveis mais atuais mostram, a partir do acompanhamento trimestral que está a ser feito dos impactos da atualização da RMMG em 2016, é que os chamados “efeitos de arrastamento” provocados pelo aumento do salário mínimo são limitados. Para citar apenas um número, mais de metade (53%) dos trabalhadores que auferiam entre 530 e 550 euros (logo acima da RMMG) em novembro de 2015 mantinha-se em junho no mesmo intervalo de remuneração.

A economia portuguesa consegue pagar melhores salários, face ao fraco dinamismo que apresenta atualmente?

Quer os níveis de emprego quer os salários são em larga medida produto dos equilíbrios gerados no mercado de emprego, não podendo por isso ser desligados do dinamismo da economia e do crescimento. Mas as políticas públicas não se podem demitir de promover um crescimento inclusivo e uma regulação correta e equilibrada do mercado de trabalho.

Deste ponto de vista, é importante aprofundar a criação de condições favoráveis de promoção do crescimento económico; e o diagnóstico da necessidade de combater as desigualdades salariais e o problema dos trabalhadores pobres, e de promover o trabalho digno também pela via do combate à precariedade, é assumido. Os objetivos de aumento da RMMG são parte dessa estratégia.

É importante referir que, mesmo com os atuais níveis de crescimento, a economia tem revelado dinamismo e capacidade para gerar empregos. De facto, o emprego tem conhecido uma trajetória de crescimento mais forte que em anos anteriores: o volume de novos contratos iniciados com a Segurança Social aumentou de 489,7 mil no 1º semestre de 2015 para 508,5 mil no 1º semestre de 2016 (+3,8%). Também as estatísticas oficiais do INE indicam que o mercado de trabalho está em recuperação, com um acréscimo de 78,2 mil pessoas empregadas entre janeiro e julho deste ano (acima do aumento de 52,5 mil observado no mesmo período de 2015).

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