Portarias de extensão: conheça os argumentos a favor e contra

  • Cristina Oliveira da Silva
  • 10 Março 2017

Tema volta à concertação. Parceiros defendem portarias de extensão mas troika contestava. Conheça os prós e contras pela voz do ministro Vieira da Silva e do ex- secretário de Estado Pedro Martins.

O Governo já disse que quer acelerar a publicação de portarias de extensão e o tema volta hoje à mesa da concertação social. E neste ponto, tanto patrões como sindicatos estão de acordo — todos defendem a emissão destas portarias, que têm efeitos na abrangência de aumentos salariais e de outras condições de trabalho negociadas entre patrões e sindicatos.

Mas fora da concertação social, o tópico não é assim tão consensual. A troika contestava a extensão quase automática de convenções coletivas e o Executivo de Passos Coelho começou por restringir fortemente esta figura. Em 2012, uma resolução do Conselho de Ministros veio definir um conjunto de critérios apertados que deviam ser tidos em conta para a publicação de portarias de extensão. Já em 2014, e depois de fortes críticas dos parceiros sociais, os critérios acabaram por ser significativamente alargados.

Agora, o Governo de António Costa promete uma “simplificação do processo” e a “redução dos tempos” de publicação. Isto também para reduzir a distância entre o momento em que é publicada a convenção coletiva e a portaria que estende os seus efeitos, evitando assim o problema que os parceiros levantam em torno da retroatividade dos aumentos salariais negociados.

As portarias de extensão alargam a todo o setor as condições de trabalho negociadas em contratação coletiva, ou seja, entre patrões e associações sindicais. Em causa podem estar várias matérias, nomeadamente a organização do tempo de trabalho ou os salários mínimos a praticar em cada categoria profissional. Num primeiro momento, os acordos que resultam da negociação coletiva só abrangem trabalhadores e empregadores filiados nas associações subscritoras mas depois, através das portarias de extensão, estas condições são alargadas a todo o setor.

Em que divergem as duas visões sobre os méritos desta figura? O ECO falou com o ministro do Trabalho, Vieira da Silva, e com o ex-secretário de Estado do Emprego, Pedro Martins.

Prós

Regras iguais para todos. As portarias de extensão têm a “vantagem de estabilização e normalização das relações laborais”, defende o ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social ao ECO. E esta é uma questão que pode ser vista de dois prismas, “num plano mais imediato e noutro mais estratégico”.

No “plano imediato”, há uma dimensão de “equidade e normalidade das relações de trabalho, que faz com que pessoas que trabalham lado a lado, ou com funções relativamente similares, tenham enquadramentos normativos também similares”. No fundo, estas portarias pretendem garantir que a lei “é aplicada de forma equitativa a todos os trabalhadores”, diz Vieira da Silva.

Concorrência justa. Os patrões têm vindo a argumentar que as portarias de extensão mitigam o risco de concorrência desleal. É que, sem extensão, há empregadores que podem praticar condições abaixo das negociadas em contratação coletiva — basta que não estejam filiados nas estruturas que negoceiam os acordos. “Desleal” não será a palavra escolhida por Vieira da Silva, que no final da última reunião de concertação social falou de “concorrência menos leal”.

“São situações legais, mas em que as normas aplicáveis são distintas e portanto há utilização desse tipo de enquadramento para retirar vantagens competitivas que não são as mais relevantes do ponto de vista estratégico para as empresas e para o país”, nota agora o ministro.

Vieira da Silva retira assim das portarias de extensão uma vantagem de “dimensão económica”, que passa pela “concorrência justa”: “garantir que num fator importante para a competitividade das empresas, o terreno de jogo em que se colocam tem basicamente as mesmas regras”.

Estímulo à contratação coletiva. Se é verdade que as portarias de extensão existem porque previamente há negociação coletiva, também é verdade que “a possibilidade de extensão é um instrumento que estimula a negociação coletiva”, regista o ministro do Trabalho.

Se os empregadores negoceiam apenas para uma parte “do universo competitivo”, terão “menos disponibilidade para a negociação”, acrescenta. No fundo, é uma relação de causa-efeito: “fraca negociação coletiva provoca pouca capacidade de extensão e a escassez da extensão influencia negativamente a disponibilidade dos parceiros para negociar”.

Também os parceiros sociais já justificaram a paralisação da contratação coletiva com as restrições que existiam ao nível das portarias de extensão.

Mas para o antigo secretário de Estado do Emprego, Pedro Martins, não foi a ausência de portarias de extensão — mas sim a crise — que travou a contratação coletiva. “A crise era enorme e as empresas não estavam em condições de ter níveis salariais mais elevados”, diz o professor, acrescentando que seria um “contrassenso” o Governo obrigar depois as restantes empresas “a pagar mais aos seus trabalhadores”.

Contras

Foi com Pedro Silva Martins a ocupar o cargo de secretário de Estado do Emprego, durante o Governo de Passos Coelho, que as portarias de extensão conheceram um travão. Começaram por ser bloqueadas e, no final de 2012, foram introduzidos critérios de representatividade que restringiram a sua emissão.

O antigo governante garante que vê aspetos positivos e negativos nesta figura mas recorda que Portugal atravessava um período de crise quando as limitações foram introduzidas. “Os aspetos potencialmente negativos mantêm-se” mas poderão agora ser “menos significativos”, diz.

Num estudo de julho de 2016 para o FMI, chamado “No Extension without Representation? Evidence from a Natural Experiment in Collective Bargaining”, Pedro Martins e Alexander Hijzen concluíam que estas portarias tiveram um efeito negativo no crescimento do emprego em 2010-2011, sendo as consequências adversas sentidas sobretudo por empresas que não participam diretamente na contratação coletiva.

Condições desadequadas. Para o professor do Queen Mary College, Universidade de Londres, a grande “contraindicação” das portarias de extensão é “a possibilidade daquilo que umas empresas e sindicatos decidem não ser apropriado para outras empresas e seus trabalhadores”.

Isto pode exigir adaptações às empresas: “poderão não contratar ou não investir em determinadas áreas” ou até, em casos mais extremos e menos frequentes, conduzir ao encerramento e ao desemprego, refere.

Reduzir a concorrência. Noutra perspetiva, as portarias de extensão podem ser vistas como “um mecanismo para reduzir a concorrência no setor”, vinca o antigo governante. Como? Negociando determinadas condições de trabalho, nomeadamente salariais, que acabem por prejudicar empresas fora desta órbita de negociação.

“Se empresas que são líderes no setor podem obrigar outras a prescindir daquilo que lhes dá competitividade, isso pode levar a ganhos de mercado para essas empresas que acabam por ter esse poder junto das mais pequenas”, diz. Mas isso tem acontecido efetivamente em Portugal? “Penso que ao longo dos últimos anos tem havido casos em que isso tenha acontecido, de outra forma é difícil perceber toda a atenção e destaque que muitas associações sindicais e patronais têm colocado na matéria”, responde o professor.

Vieira da Silva discorda: “Não há evidência empírica que eu conheça; obviamente que nos modelos teóricos é sempre possível encontrar relações, a solidez dessas relações é que pode ser contestada”, sublinha.

Pedro Martins nota ainda que a contratação coletiva em si deveria oferecer vantagens a ambas as partes, trabalhadores e empresas: “é difícil de compreender esta lógica de que se a empresa está fora do contrato coletivo, sem portaria de extensão vai ter vantagem concorrencial; não devia ser assim, as empresas fora deveriam sim estar em desvantagem”, argumenta.

Sindicalização. Para Pedro Silva Martins, a extensão de convenções coletivas deve estar ligada à representatividade das associações que as negoceiam. Daí os critérios introduzidos inicialmente, que só permitiam a extensão de acordos assinados por empregadores que representassem mais de metade dos trabalhadores do setor. Foi este critério restritivo que levantou forte contestação entre parceiros. Acabou depois por ser significativamente alargado.

“Em última análise, se as associações sindicais e patronais têm bons níveis de representatividade, isto é, se os trabalhadores e empresas se inscrevem nos sindicatos e nas associações patronais, então a portaria de extensão é desnecessária”. No lado sindical, a situação é mais preocupante, repara. E isto “pode desvirtuar o diálogo social”, acrescenta o professor.

“Sabendo que há uma portaria de extensão, o incentivo para se inscrever no sindicato pode ser bastante fraco”, diz Pedro Martins, apontando para declarações do líder da UGT. Em abril de 2016, Carlos Silva deu a entender que só os sindicalizados deveriam ser abrangidos pelos direitos estabelecidos na contratação coletiva, tal como avançou o Jornal de Negócios. Isto apesar de a UGT ter sempre defendido a publicação de portarias — ainda recentemente o fez em entrevista ao ECO.

Este “é um problema real, que merece reflexão”, diz, por seu turno, Vieira da Silva. Mas “a resposta a esse problema não é a inexistência da extensão, porque a dimensão dos problemas gerados pelo desequilíbrio dessa inexistência ou pela fragilidade da negociação é muito maior”, salienta. E como o ministro acredita que as portarias de extensão incentivam a contração coletiva, deixa a pergunta: “alguém acredita que restringindo as portarias, com o efeito de desincentivo à negociação, vamos ter um aumento da sindicalização e da dimensão associativa?” E responde: “tenho dúvidas, o que acontecerá é que haverá muito mais individualização das relações de trabalho” e “o campo das relações de trabalho será muito mais desigual e muito menos leal”.

Dificuldade de desvinculação. Embora a lei permita que as empresas ou trabalhadores se oponham à extensão, a “probabilidade muito reduzida de a contestação ser aceite” torna “praticamente inútil algum esforço”, diz Pedro Martins. Já o ministro do Trabalho diz que a contestação à extensão “não é muito representativa”: a crítica vem sobretudo de fora, salienta.

Por outro lado, Pedro Martins admite que não ficaria surpreendido se descobrisse que “uma percentagem significativa de empresas acaba por não cumprir o que resulta da portaria de extensão”, por desconhecimento ou porque “há uma perspetiva partilhada entre empresa e trabalhador de que a empresa atravessa dificuldades”.

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